FRATERNIDADE ROSACRUZ in LUSITANIA Lusitano Centro Rosacruz Max Heindel Autorizado por The Rosicrucian Fellowship Rua de Cedofeita, 455 1º sala 8 * 4050-181 PORTO
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Prentiss Tucker Uma História Ocultista Download
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Título original:
In the Land of the Living Dead
An Occult Story
By Prestiss Tucker Prefácio O autor, Prentiss Tucker foi um dos
primeiros discípulos de Max Heindel, Iniciado Rosacruz e Fundador da
Fraternidade Rosacruz (The Rosicrucian Fellowship), Associação
Internacional de Cristãos Místicos, fundada em 1909 na Califórnia,
Estados Unidos da América. Seus ensinamentos, fundamentados na Advertência de Cristo - “Ide,
Pregai o Evangelho e Curai os Enfermos” - tem como objectivo
conscientizar o ser humano a desenvolver suas potencialidades, ainda
latentes na maioria, que lhe darão oportunidade do conhecimento
consciente dos Mundos Espirituais, livrando-o das mistificações que
frequentemente ocorrem em pessoas não preparadas. Na Terra dos Mortos que Vivem é uma fantástica história de um
jovem místico que relata suas experiências durante a Primeira Guerra
Mundial. A Fraternidade Rosacruz ao editar
esta pequena obra romanceada de Ocultismo, está apresentando de forma
mais popular, os conceitos da FILOSOFIA ROSACRUZ, os quais poderiam
dificultar ao público leigo a sua compreensão tão objectivamente
exposta por Max Heindel em sua obra básica "O CONCEITO ROSACRUZ DO
COSMOS" e ao longo de toda a sua bibliografia. Aqui, nesta singela composição, o
leitor encontra de forma sistematizada e, portanto mais acessível, um
dos pontos fundamentais que, a par da incompreensão natural do leigo a
respeito do assunto, bem como de outras organizações que honestamente
referem-se ao tema, sem que entretanto tenham a assistência dos Irmãos
Maiores, não podem esclarecer devidamente o problema da vida e da morte. Assim, temos neste romance os esclarecimentos surpreendentes do
que ocorre àqueles que ingressam nos planos internos, seja por morte
natural ou violenta, bem como por meio de experiências que lançam o
indivíduo despreparado em novas condições de vida, como ocorreu com
Jimmy, o herói deste romance - acidentalmente "lançado" aos
planos internos devido à explosão de uma granada. Na sua perplexidade
natural descrita pelo Autor, vê-se que ela é anulada pelos
esclarecimentos dados pelo "Irmão Maior" que, na realidade,
é um dos Doze Irmãos Maiores que compõe a Ordem Rosacruz, cujo "cabeça"
- orientador - é o Venerando Christian Rosenkreuz - o Cristão Rosacruz. Assim, o relato fantasioso dado pelo Autor, tendo como personagem
um homem comum, envolvido com suas preocupações pessoais, com seu
futuro profissional, transmite ao leitor a mensagem dos Irmãos Maiores,
de que a actividade pessoal de cada ser humano tem uma projecção que
ultrapassa os limites da existência física, e que o trabalho na "Vinha
do Senhor" tem extensão cósmica, e portanto, a MORTE NÃO EXISTE. "O Mundo Físico e o Mundo do Desejo não são separados um
do outro pelo espaço. Estão “mais próximos do que as mãos e os pés”.
Não é necessário deslocar-se para ir de um a outro, nem para ir de
uma região a outra que lhe seja próxima. Assim como em nosso corpo se
encontram os sólidos, os líquidos e os gases, interpenetrando-se uns
aos outros, assim também estão as diferentes Regiões do Mundo do
Desejo dentro de nós. Podemos outra vez comparar as linhas de força
pelas quais os cristais de gelo se formam na água com as causas invisíveis
originárias do Mundo do Desejo, as quais aparecem no Mundo Físico e dão-nos
incentivo para agir em qualquer direcção. CAPITULO I UMA VISITA AOS PLANOS INVISÍVEIS Tudo decorreu de uma
granada alemã de alto poder explosivo. Nada acontece sem uma
causa. Podemos dizer que esta história começou na Alemanha quando
Gretchen Hammerstein deu o retoque final a uma determinada granada de
alto poder explosivo e, com o contacto de seus dedos, encheu-a com as
vibrações de seu ódio pelos americanos. Mencionaremos as várias
ocorrências cada uma como resultado de uma série de circunstâncias -
que contribuíram para que esta determinada granada fosse levada ao
"front" alemão naquele exacto momento, para aquele exacto
lugar. Mas, para acompanhar estes acontecimentos, quase infinitos em número,
necessitaríamos de muita paciência. Por isso, retomaremos
a história exactamente quando esta granada altamente explosiva estourou
nas trincheiras americanas espalhando, além de seu material, carga e
fragmentos visíveis, o ódio que Gretchen Hammerstein havia depositado
nela. Jimmie Westman estava
debruçado sobre o muro da trincheira, localizada muito próxima à
linha alemã, espreitando através de um bem camuflado
buraco, que era utilizado tanto para observar-se os tristes e horríveis
estragos ocorridos na Terra de Ninguém, como para alertar contra
ataques de surpresa. A granada explodiu a poucos passos na retaguarda,
mas Jimmie não percebeu isso. Demorou bastante até tomar conhecimento
do que tinha ocorrido, e é sobre os factos que aconteceram entre a
explosão da granada e o momento em que Jimmie foi capaz de reconstruir
tudo, que desejo relatar. Foram eventos consideráveis; eles produziram
uma grande impressão em Jimmie e mudaram completamente suas ideias da
vida. Como
disse, algum tempo se passou antes que Jimmie recuperasse a consciência
após a explosão. Para ser exacto foram praticamente três dias.
Enquanto ele permanece nesse estado de coma
vamos tomar conhecimento de sua vida e história. Jimmie
não nasceu "de pais pobres mas honrados". Seus pais embora não
fossem ricos, deram-lhe uma boa educação. Ele havia terminado o liceu
e estava frequentando o curso de medicina quando a guerra rebentou. Eu
disse que ele estava frequentando medicina. Gosto de Jimmie e reluto em
dizer que passava a maior parte do seu tempo nos campos de futebol e no
carteado, não obstante, era isto o que realmente acontecia. Ele era o
protótipo do jovem americano limpo, honrado, um pouco descuidado, ávido
por ter sucesso e para se sobressair tanto no trabalho como no desporto.
Sentia-se também deslumbrado pela adulação dispensada aos atletas
proeminentes no colégio que frequentava. Contudo,
estava empenhado no estudo da medicina, talvez eu devesse dizer,
parcialmente empenhado, e demonstrava realmente interesse pela profissão
que escolhera, embora não tivesse progredido o suficiente para ter um
conhecimento mais profundo da matéria
médica. Ele tinha absorvido um pouco do espírito científico das
conferências que havia escutado e sua mente havia adquirido um leve traço
de cepticismo, o que deixou sua mãe um pouco preocupada. Porém, ela
sabia que seus antigos ensinamentos estavam bem enraizados e que o carácter
de seu filho era bastante forte para que o cepticismo que o circundava só
pudesse perturbar superficialmente sua vida jovem e correcta. Mas
Jimmie possuía uma alma indagadora, e enquanto as trivialidades
aparentemente ilógicas e não científicas que ele ouvia do púlpito
quando ia à igreja pouco efeito lhe causassem, as objecções
apresentadas pelos médicos e estudantes com quem se associava
pareciam-lhe, também, sem força e sem fundamento. Ele oscilava entre
as duas, mas não era controlado por nenhuma, embora no fundo de seu
coração estivesse inclinado a ser bastante religioso, como a maioria
das pessoas o são quando têm essa oportunidade. No
primeiro ano de sua vida universitária, a grande guerra (1914) começou.
Foi praticamente no fim do primeiro ano, um pouco antes dos exames
finais, e quando ele foi para casa para as férias de verão, o país
todo estava agitado. Aqueles que tinham maior visão percebiam que a
guerra envolveria os Estados Unidos. Jimmie começou a meditar,
reflectindo sobre a situação do mundo, e quando voltou a seus estudos,
no Outono, foi com a firme convicção de que os Estados Unidos seriam
logo forçados a entrar na guerra e que ele, necessariamente, estaria
envolvido. Até aquele momento, ninguém havia previsto que pudesse
haver uma escassez de médicos, e Jimmie, tendo a certeza que a luta era
justa e que era seu dever ajudar, embora seu país ainda estivesse fora,
resolveu alistar-se com os Canadenses, enquanto cursava o segundo ano de
medicina. Em primeiro lugar, foi visitar seus pais para conseguir
convencê-los a pensar como ele, embora esta tenha sido a tarefa mais
difícil a que se propôs. Estava
em casa nessa missão, quando soube da morte de uma grande amiga sua.
Tinham sido criados juntos, e essa perda dissipou um sonho que havia
acalentado em sua mente e para o qual estava inconscientemente
trabalhando. Ao
alistar-se, foi lançado no grande e agitado caldeirão da guerra. Quando
os Estados Unidos entraram na guerra, ele já era um veterano experiente,
apesar de sua pouca idade. Tentou e conseguiu sua transferência das
tropas canadianas para as de seu país, onde foi recebido com grande
entusiasmo. Quando a granada explodiu, ocasionando uma mudança tão
grande em sua vida, ele era segundo tenente com uma boa chance de ser
promovido. Ele
não ouviu nem se apercebeu da granada e, como já disse, não sabia que
tinha havido uma explosão, de modo que ficou muito surpreso ao se
encontrar, de repente, em uma parte do país que ele não conhecia. Era
um lugar amplo, semelhante a uma campina, com uma suave subida e ele
estava andando despreocupadamente por ela, como se tivesse todo tempo à
sua disposição. Subia lentamente por esse caminho, surpreendendo-se
porque, segundo se lembrava, ele deveria estar em seu posto na
trincheira. As coisas estavam um pouco diferentes, mas ele não
conseguia compreender o que lhe acontecia. Parecia
estar movendo-se com uma considerável facilidade, muito mais do que
estava acostumado, pois a permanente lama deste país grudava
terrivelmente nas botas e era uma tarefa difícil colocar um pé na
frente do outro. No entanto, agora, ele estava caminhando facilmente e
sem qualquer esforço, mas não sabia para onde ia nem de onde vinha. A
trincheira não estava à vista, mas ele estava andando tão sem esforço
que não lhe fazia qualquer diferença, pois, sem dúvida, poderia
encontrá-la, apesar do seu limitado conhecimento de francês. Graças
a Deus não se encontrava atrás das linhas inimigas. Mas, alto lá! Se
estava atrás de sua próprias linhas e não sabia como havia chegado lá,
por que não poderia estar atrás das linhas inimigas sem sabê-lo? Sua
memória estava voltando aos poucos. Era como se tivesse acordando de um
sono profundo e estivesse voltando a si. Mas
se ele tivesse adormecido, por que nenhum dos companheiros o acordou
antes que toda a linha tivesse assim avançado? Mas,
pelo amor de Deus! Onde estava a trincheira? Onde estavam o acampamento,
as trincheiras de comunicação, as estradas, tudo? Que lugar é este,
esta campina tão bonita que se eleva tão suavemente? A
linha deve ter avançado e ele foi deixado para trás em seu sono. Isto
era evidente, porque, se a linha tivesse recuado, ele certamente teria
sido acordado na retirada ou, caso contrário, o inimigo tê-lo-ia
acordado quando se apossasse das trincheiras. Não, a linha tinha avançado
e, ele, de algum modo, continuou dormindo mas, evidentemente, tinha
caminhado em seu sono até este lugar, embora não discernisse que lugar
era esse. Não
conseguia lembrar-se de ter deixado a linha de fogo de onde observava o
movimento inimigo, mas isso era só um mero detalhe. O objectivo
principal, agora era descobrir onde estava o comando e juntar-se a ele.
Ele poderia encontrá-lo facilmente porque sabia como orientar-se pelo
sol. Involuntariamente,
olhou para cima. O sol não estava visível, embora fosse pleno dia e não
houvesse névoa aparente. Jamais
tinha visto na França, um trecho tão longo sem ser habitado. Ou havia
cidades, vilas e fazendas, ou a terrível devastação por onde os
inimigos haviam passado. Mas esta campina não mostrava nem uma coisa
nem outra. Era na verdade, uma campina imensa, especialmente para a França.
Era só colocar alguns tractores aqui e o temor da fome se dissiparia,
pois havia terra suficiente para alimentar um país. Mas
o tempo passava e ele sentia a necessidade de se apressar; também
precisava pensar em alguma desculpa para justificar sua ausência, pois
o capitão era muito severo e o sonambulismo talvez não fosse uma razão
válida para se ausentar de seu posto. -
Por que você não desliza? -
O que você quer dizer por “deslizar”? Ele
virou-se para ver quem havia falado, pois não tinha ouvido nenhum passo
e julgava estar sozinho. Viu uma jovem andando ao seu lado ou, pelo
menos movendo-se ao seu lado, pois aparentemente ela não estava andando
de maneira convencional. Ele a conheceu bem e ao reconhecê-la, sentiu-se
empalidecer, pois a jovem ao seu lado era aquela que tinha sido sua
amiga muito especial. Mas, disseram-lhe na última visita à sua casa,
que ela tinha, bem, que ela tinha morrido enquanto ele estava na
faculdade, um pouco antes de voltar para casa para dizer adeus a seus
pais antes de alistar-se. Ele deve ter sido mal informado. Olhou para
ela, afastou-se um pouco, beliscou-se e ficou sem saber o que fazer ou o
que dizer. Talvez ela não tivesse morrido, talvez tivesse sido mandada
para um manicómio e estivesse agora na França por algum engano e
estivesse delirando ao aconselhá-lo a "deslizar". Ele observou-a novamente. Meu Deus! Ela estava deslizando! Céus! Teria ele também enlouquecido? Uma risada interrompeu sua perplexidade. Era o habitual riso alegre e
espontâneo que ele tinha conhecido tão bem. Por Deus! Ela estava rindo dele. Perplexo? Bem, quem não estaria numa
situação semelhante a esta? Algumas
vezes, os pensamentos passam pela mente com uma velocidade incrível e
os pensamentos que eu estou narrando, aparentemente demoravam muito
tempo para ocorrer, mas, na realidade, foram quase instantâneos e
praticamente não demoraram muito. Ainda que tivessem uma sequência lógica,
pareceram-lhe, naquele momento, muito lentos embora bastante racionais. Ela
estava rindo dele! Fantasmas não riem. - Simplesmente não riem, é
tudo. Todos sabem que fantasmas não riem. E ela falava-lhe sobre deslizar. Isto mostrava que ela estava louca e confirmava a teoria
do manicómio, mas, neste momento, ele olhou novamente para os pés dela
- ela realmente estava deslizando.
Pelo menos ela não estava andando, alçando um pé para colocá-lo na
frente do outro. Não, ela estava deslizando e rindo dele. Além
disso, fantasmas são tristes, perturbados, amantes de escuridão, de
cemitérios, da meia-noite, de mistérios e de assustar as pessoas. No
entanto, aqui estava um que, se realmente fosse um fantasma, estava
olhando para ele com um rosto realmente lindo, feliz, aparentemente
alegre, franco e de uma maneira afectuosa divertindo-se com ele, - com
ele! Lembrava-se
muito bem dela. Conheceu-a bem. Ele tinha sido... bem, para dizer a
verdade... ele havia pensado que talvez quando se formasse... oh!
bobagem... ele devia estar sonhando. Ele estava na França, tinha vindo
para lutar contra o Kaiser e preparar o mundo para a democracia, e isto
era um trabalho sério. No
entanto, ela estava ainda rindo dele. Como tal engano poderia ter
acontecido? Tinham-lhe contado tudo sobre ela. Tinham-lhe repetido a
triste notícia várias vezes, pois sabiam o quanto ele a estimava. Porém
eles devem ter cometido um engano. Ele tinha que acreditar nos seus próprios
olhos. Meu
Deus, como ela estava linda! Ela sempre foi bonita, linda, mas agora
parecia radiante. Estava andando suavemente, com um certo passo que não
poderíamos descrever, mas que poderíamos chamar de “ponta dos pés”. Ela
avançou um pouco à sua frente e virou-se rindo de uma maneira tão
natural, como antigamente, que ele começou a rir também. Os
acontecimentos eram muito sérios, mas havia tanta alegria ao seu redor,
com uma jovem tão bonita sorrindo para ele, que se tornou difícil
imaginar que o inimigo estivesse tão próximo e que tanto sofrimento
humano os circundasse. De
repente, ela ficou séria como se houvesse adivinhado seus pensamentos. -
Não pude evitar, Jimmie, você parecia tão desnorteado. -
Realmente estou desnorteado. Como você chegou aqui na França? E por
que me disseram que havia – ido. Ele procurou sem êxito, uma maneira
de expressar o pensamento. Ela
respondeu seu dilema com um leve sorriso. -
Não tenha medo de dizer isso, Jimmie. Ele
estava com medo de dizer isso,
portanto retrucou: -
Como você chegou aqui? -
Eu fui enviada. -
Olhe, Marjorie, não me engane. Como você chegou aqui na França? - Acredite, Jimmie, eu
não estou brincando; verdade Injun[1],
como costumávamos dizer, eu fui enviada,
acredite, mas eu pedi para ser enviada, ela acrescentou. Os outros
estavam tão ocupados e não havia muita coisa que eu pudesse fazer, mas
eu sabia que precisava ajudar você e também sabia que você ficaria
alegre em me ver, então, pedi permissão e o Irmão Maior [2]
concordou; ele é sempre tão bom para mim. A
teoria que ela estivesse num manicómio recebeu um novo impulso com esta
afirmação. O "Irmão Maior" deve ser um dos médicos, mas
ela não se referiu a isso como se estivesse louca. Na verdade, ela
estava radiantemente linda agora, muito mais bonita do que na última
vez que a vira, e estava falando racionalmente. Mas quem era o "Irmão
Maior"? Ela era filha única. Deve ser o médico. Uma
vez ele tinha estado em um manicómio com um grupo de visitantes e não
havia visto nenhuma mulher bonita. Mesmo que alguma tivesse sido bonita,
a expressão dos olhos teria dissipado qualquer beleza física. Mas esta
jovem dançando, deslizando, rodopiando ao seu lado, com seus olhos
azuis e cabelos loiros, era tão desconcertante, tão surpreendentemente
linda, além disso, seus olhos não tinham nenhum sinal daquele olhar
fixo ou sem foco que torna tão horrível observar-se uma pessoa insana. E,
acima de tudo, ela podia deslizar!
Deus bendito! Ele tinha esquecido esse fato. Ela podia deslizar! Como alguém podia deslizar?
Não era possível fazer isso, a não ser sobre patins... -
É fácil deslizar. Você pode fazê-lo facilmente! -
Eu! Como você sabe o que eu estava pensando? -
Bem, eu posso saber através de sua aura. -
Minha o quê? -
Aura. Sua aura! Você não sabe que você tem uma aura? -
Nunca ouvi isto antes. Eu recebi uma medalha por tiro ao alvo, mas não
me deram nenhuma aura e sei que não trouxe nenhuma comigo. Ela
dançava frente a ele, à medida que ele andava, deslizando olhando-o
intencionalmente, primeiro de um lado e, logo a seguir, de outro, sempre
rindo com aquela sua risada vibrante tinindo tão cheia de alegria e graça.
Ela estava rindo e não podia falar por alguns momentos. Ele não sabia
qual era a brincadeira, mas devia ser muito interessante porque ela
estava tão feliz e tão linda que ele a alcançou e tomou-lhe a mão.
Dançaram juntos, rindo, ela dele e ele de si, alegria que ele não
podia entender. Por
Deus! Ele tinha esquecido! De
conformidade com todas as regras, ele devia estar exausto. Desde que o
grande bombardeio tinha começado há vários dias, ele não sabia o que
era descanso; no entanto, aqui estava ele dançando com esta linda jovem,
como se estivesse viçoso como uma flor. Ah! Mas agora ele sentia-se
cansado, muito cansado. Isto mostrava a força da mente sobre a matéria,
pois antes havia esquecido sua exaustão na alegria de reencontrar sua
amiga. Agora, ele mal podia levantar um pé depois do outro. Ela
retirou sua mão com aquela expressão antiga e familiar que aparentava
estar aborrecida. - Você não está cansado! Você só pensa
que está. Agora, ponha na sua mente que você não está cansado. -
Eu não posso, Marjorie! Eu estou exausto. Eu não durmo há duas noites,
o caminhar na lama e tudo mais, Marjorie, uma pessoa não pode fazer
isso durante três dias e não se
sentir cansada. -
Veja Jimmie, você admite que não tinha nenhuma sensação de cansaço
no começo? Quando estávamos andando e você perguntou como eu vim até
aqui, você não estava cansado porque não estava pensando nisso, mas
agora, só porque você acha que
deve ficar cansado você fica cansado.
Vamos sentar um pouco. -
Está muito húmido aqui para você sentar no chão; você vai pegar um
resfriado mortal. Ela
sorriu para ele. -
Não, eu não vou pegar um resfriado mortal. É bem seco aqui. Veja como
o chão está. Além disso, não posso pegar um resfriado mortal. Há três
razões. Foi por isso que vim até aqui, para explicar tudo, mas não
sei como começar, Jimmie. Ele
olhou para o chão. Na verdade, ele estava perfeitamente seco, como ela
havia dito. -
Está bem, vamos sentar então, mas lembre-se que eu tenho pressa pois
preciso apresentar-me logo, de modo que não posso ficar senão por um
ou dois minutos. Mas, o que você tem para me dizer? E por que não sabe
como começar? Nunca soube que você seria incapaz de terminar uma
conversa, Marjorie. -
Oh Jimmie! É difícil contar-lhe. Você não vai acreditar em mim. -
Sim, eu vou, Marjorie. Eu acredito em tudo que você disser. Mas há
algumas coisas bastante estranhas acontecendo esta manhã que eu não
entendo. Então, como você veio até aqui? -
Como eu lhe disse. Fui enviada. Mas eu pedi para ser enviada porque eu queria
ajudar você. E agora eu não sei como explicar. -
Quem a mandou, Marjorie? -
O Irmão Maior. Oh, ele é tão gentil e bom para mim. -
Quem é esse Irmão Maior - um médico? Ela
sorriu, um pouco triste mas muito docemente. -
Está lembrado do que pensou quando eu falei com você a primeira vez e
você olhou para ver quem era? - Sim, lembro-me bem do que pensei mas... mas... você não sabe o que me
tinham dito. -
Oh sim, eu sei, pois eu estava lá quando lhe contaram e eu vi você se
virar e engolir em seco. Eu sei que lhe disseram que eu estava... estava...
morta. - Sim. Foi exactamente o que me disseram, e eu acreditei
porque todos me acompanharam e mostraram o túmulo, e... e... - Sim, Jimmie querido,
sei de tudo pois estava lá e ouvi tudo, e vi como você saiu aquela
noite para o campo e para aquela estradinha na qual costumávamos
passear e, como você chorou, chorou quando julgou... que ninguém o
via. Sim, eu sei de tudo, Jimmie, porque eu estava lá. - Você! Lá! - Sim Jimmie, meu
querido amigo, meu querido, querido amigo. Eu estava lá e vi sua
tristeza e coloquei meus braços ao seu redor e tentei confortá-lo. Eu
estava lá, pois é verdade o que eles lhe contaram, é verdade. - Você estava, você
está...? - Sim, querido amigo,
eu estava morta. Pronto! Já
disse. Ela
sorriu através da lágrimas, pois estava realmente chorando agora. - Eu devo usar esta
palavra horrível. Ela precisa ser dita apesar de não ser verdade, não
é verdade Jimmie. Nós nunca morremos. Nem você nem eu estamos mortos.
Não! Nós estamos mais vivos do que antes, porque estamos um passo mais
perto da grande Fonte de toda vida e amor, e sei que isto é verdade
porque o Irmão Maior me disse. Ele é tão elevado, tão bom, sabe tudo,
Jimmie e ele conhece você e tudo sobre você e ele também o ama,
Jimmie. Sei que posso ajudá-lo e tenho permissão para relatar-lhe mais
do que é possível contar à maioria dos soldados, porque você é
capaz de suportar mais do que a maior parte deles. Sei que vai acreditar
no que eu lhe disser porque o Irmão Maior me afirmou isso. E, oh!
Jimmie querido, não se preocupe porque agora você será capaz de fazer
muito mais quando tiver aprendido sobre a guerra, sobre outras coisas e
sobre o Mestre. Ela falava agora como
se estivesse murmurando e com admiração, fazendo com que seu rosto
ficasse ainda mais bonito do que antes. -
Você vai aprender sobre o Mestre e como podemos trabalhar para Ele, e
talvez, talvez se você trabalhar muito para Ele, Jimmie, algum dia você
O veja. Eu O vi uma vez - ela acrescentou estou orgulhosa - eu O vi uma
vez, de longe. Acho que Ele olhou para mim e eu me senti tão feliz que
dancei e cantei por um longo tempo. Mas isto foi antes deles me deixarem
executar este trabalho de guerra que está sendo realizado aqui.
Primeiro, eles disseram-me que as condições eram muito ruins para eu
tentar ajudar enquanto não ficasse mais forte, mas depois, permitiram
que eu ajudasse um pouco, especialmente com as crianças. Realmente,
gosto muito de receber os pequenos logo que eles chegam aqui. Eles
parecem tão amedrontados e tão frágeis, assim procuro niná-los para
que durmam e para que percebam que estão rodeados de amor deste lado, e
não por aquele terrível ódio que dominava a pobre Bélgica. Sinto
tanta pena dessas crianças. Ultimamente, tenho procurado ajudá-las
muito. Jimmie
não sabia o que era uma aura quando isto foi mencionado, mas agora, ele
via Marjorie rodeada por uma nuvem brilhante, uma luz radiante da qual
parecia inconsciente, mas da qual ela era o centro. Isto a tomou ainda
mais linda do que nunca e Jimmie recuou um pouco sentindo-se indigno de
estar tão próximo de um dos santos de Deus. -
Desde que comecei este trabalho - Marjorie continuou - não dancei tanto
quanto hoje, pois estou muito feliz em vê-lo e poder ajudá-lo. É a
primeira vez que me deixam encontrar um dos soldados que chegam, pois,
algumas vezes, é uma situação muito perigosa. São necessárias muita
força e muita sabedoria e eu não tenho nenhuma das duas, mas tenho uma
coisa que conta mais, muito mais. Ela
virou-se e murmurou as palavras para si mesma. Jimmie não tinha a
certeza, mas pareceu-lhe que as palavras eram "Eu tenho amor." -
Oh, Marjorie! Você quer dizer que eu estou - o que acabamos de dizer? - Sim, você está, Jimmie, mas não deixe que essa descoberta o perturbe,
pois ela é realmente uma vantagem. Existem várias razões para
justificar o fato de você estar aqui e vou dizer-lhe algumas delas. Mas
você tem sorte, porque o Irmão Maior está vindo em seu encontro." -
Eu não quero conhecer nenhum Irmão Maior. Quero falar com você. Ele
adiantou-se e pegou-lhe a mão. -
Se eu estou morto, você também está. Por isso, nenhum de nós tem
qualquer vantagem. Tenho certeza que você não parece
nem um pouco morta e eu não me sinto
morto. Não consigo entender o que está acontecendo. CAPÍTULO
II A EXPERIÊNCIA DE UM SARGENTO -
Oh, Jimmie! O Irmão Maior está chegando! Oh! Estou ctão contente.
Deve ser porque ele quer falar com você pessoalmente. -
Bem, eu preferia que ele não viesse. Eu quero falar com você. -
Aqui está ele. Jimmie
virou-se a um gesto de Marjorie e viu em pé a sua frente, um homem um
pouco além da meia-idade, alto, erecto e com nada peculiar que chamasse
a atenção, a não ser a capacidade de inspirar nos outros o sentimento
de estarmos na presença de um ser de grande poder. O homem curvou-se
levemente e, enquanto Marjorie e Jimmie erguiam-se, ele disse: -
Conheço-o muito bem, Sr. Westman, um pouco pela ajuda de nossa
amiguinha aqui, - e ele afagou o cabelo de Marjorie suave e
carinhosamente. Enviei-a para que o encontrasse primeiro, mas não
devemos sobrecarregá-la. Quero que venha comigo por alguns momentos e
mais tarde você poderá ter uma longa conversa com ela. Os
modos e o tom do recém-chegado transmitiam tamanho ar de autoridade,
que Jimmie nem por um momento pensou em retrucar. Ele simplesmente
respondeu ao pequeno e gracioso gesto de adeus de Marjorie e voltou-se
para caminhar ao lado do homem a quem Marjorie chamou de "Irmão
Maior". Eles
andaram por algum tempo em silêncio, um silêncio que Jimmie achou
melhor não interromper pois, de algum modo que ele não podia explicar,
sentiu que este homem era um "grande personagem" nesse país,
então, acompanhou-o em silêncio até que o homem iniciasse a conversa. Andaram
alguns passos antes do silêncio ser quebrado. Enquanto isto, Jimmie
tinha olhado furtivamente ao seu redor para ver onde tinha ido Marjorie,
mas, para sua surpresa, ela não estava a vista embora ele tivesse
certeza que podia vislumbrar algumas milhas em todas as direcções. -
Você descansou bastante - disse seu companheiro finalmente - e não vai
ser cansativo para você se eu delinear brevemente alguns deveres que
serão seu privilégio cumprir nesta nova vida para a qual acaba de
entrar. Mas, antes disso, vou mostrar-lhe um pouco do que aconteceu e
está acontecendo. Assim, que
se sentir pronto para a informação eu lhe mostrarei por que foi
permitida que essa guerra ocorresse no mundo e exactamente de que
maneira sua ajuda será necessária. As
coisas são um pouco diferentes aqui do que você está acostumado, e
quero chamar-lhe a atenção para um pormenor que Marjorie hesitou em
explicar. É sobre o método de sua locomoção. Você não precisa
caminhar do modo antigo, é muito mais conveniente e mais rápido usar o
que Marjorie sugeriu-lhe no início, deslizar. Todos nós aqui
locomovemo-nos assim. Requer apenas um pequeno esforço de vontade, e é
tão superior a andar, quanto o andar o é para o engatinhar. Na verdade,
quase não há limite de velocidade no deslizar e sem ele seria impossível
fazer o trabalho que precisa ser feito nesses tempos árduos. Tente. Ao
explicar isso, ele começou a deslizar como Jimmie havia visto Marjorie
fazer. Então, Jimmie esforçou-se e, para sua surpresa, viu que podia
locomover-se como fizera muitas vezes sobre o gelo ao patinar, só que o movimento era o resultado de um esforço de
vontade e não exigia nenhuma acção do corpo. Ele estava
encantado como uma criança com este recém adquirido poder, e deslizou
como um patinador no gelo, traçando, várias vezes, a velha e familiar
figura do oito e outros desenhos antes de acalmar-se e postar-se ao lado
de seu novo conhecido. Há
muito de menino em cada homem, da mesma maneira que existe muito de
homem em cada menino e Jimmie estava francamente absorvido e interessado
nas possibilidades de deslizar e no fato de estar ao lado do Irmão
Maior sem se sentir cansado, sem fôlego e também sem os efeitos que
geralmente seguem-se a este extenuante exercício, do que no fato incrível
de haver real e verdadeiramente cruzado a "Grande Divisa" e na
iminência de aprender o que havia no "Outro Lado da Morte ". Ajustando-se
à velocidade de seu nobre guia, ele sentiu-se um pouco envergonhado com
sua exibição de entusiasmo e começou a desculpar-se de uma maneira
indirecta. -
Esta maneira de deslizar é uma novidade para mim e parece que é
exactamente o que eu sempre quis fazer. Sonhei exactamente com isso
algumas vezes, e quando percebi que podia deslizar era como se estivesse
fazendo novamente algo antigo, familiar. -
Você não está errado. É uma antiga e familiar “sensação”. -
Pode ser que meus patins de gelo é que tornaram isto natural para mim. - Não. Pareceu-lhe familiar porque você frequentemente deslizou,
portanto, já estava acostumado a fazer isto. Nos seus sonos, sempre passou muito tempo deste lado.
Na maioria das vezes não estava verdadeiramente consciente sobre o que
estava fazendo, mas parcialmente consciente, embora não fosse capaz de
conservar essa recordação quando de sua volta ao mundo físico. -
Céus! Olhe, o que você sabe sobre isto! É um progresso quanto ao
andar, não é? -
Bem, eu acho que sim. Vou ensinar aos rapazes quando voltar... Parou
de repente ao perceber que não haveria "volta", o rosto do
homem brilhou com compaixão. -
Não - ele disse - "não há volta", mas acho que quando eu
lhe mostrar o que está à sua frente, que é tão grandioso e maior do
que aquilo que está atrás de nós,
você não vai querer voltar, e vai querer, de todo o coração e
alma, seguir adiante. Vou
levá-lo de volta, à trincheira onde está sua companhia, pois um de
seus amigos vai passar para cá. Não será do mesmo modo como foi com
você, pois ele
recobrará a consciência quase que imediatamente e quero que você se
encarregue dele. Deste modo você aprenderá muito sobre algumas
fases dos seus deveres futuros. E
agora - ele continuou - antes de começar realmente seu trabalho, quero
imprimir em sua mente que esta
guerra foi necessária, pois, de nenhum outro modo, a raça
humana poderia ser salva de um destino ameaçador e opressor. Este fato
não desculpa aqueles que são responsáveis por tê-la provocado, mas
menciono isso porque o grande conflito e o terrível sofrimento fez com
que alguns pensassem que os poderes do bem foram abandonados diante dos
poderes do mal. Não é assim. Deus reina sobre tudo e assim como o
pardal não pode cair sem o Seu conhecimento e vontade, a
guerra também não pode ser iniciada sem Seu conhecimento e vontade;
mas, como foi dito, isto não desculpa aqueles que a provocaram. Seu
rosto ficou muito sério mas pleno de ternura, e seus olhos tinham uma
expressão como se seus pensamentos estivessem muito longe, alcançando
os séculos que hão-de vir, antes que o bem que resultaria da grande
luta, tenha modelado sua forma no tear do tempo. -
Agora - ele concluiu - vamos andar um pouco mais rápido e você poderá
usar aquele seu recém-descoberto poder, o deslizar. Começou
a deslizar enquanto falava e movia-se cada vez mais rápido. Jimmie
continuou deslizando ao seu lado, ocasionalmente distraia-se fixando sua
mente em alguma outra coisa, enquanto assim procedia percebeu que podia
parar quando quisesse. Entendeu, por si só que o andar tornou-se para
ele uma segunda natureza e que podia movimentar-se assim e ainda pensar
em outra coisa, mas quanto a deslizar, por ser ainda uma experiência
nova, ele precisava concentrar-se nisso durante todo o percurso. O
Irmão Maior moveu-se cada vez mais rapidamente e Jimmie seguia-o da
melhor maneira possível, embora quando seu companheiro deixou o solo e
movimentou-se no ar, Jimmie ficou em dúvida se teria habilidade para
seguir um líder tão enérgico. Logo porém, ele foi ficando cada vez
mais acostumado com a nova sensação e começou a interessar-se pela
paisagem. Percebeu que estava passando por cima de uma parte do país
que lhe era familiar e, em outro momento compreendeu que estava se
aproximando das trincheiras. Ouviu o detonar dos canhões e viu aviões
voando sobre eles, pois ele e seu guia estavam novamente aproximando-se
do solo e, no momento seguinte, eles depararam com a borda da trincheira
onde ficava seu posto de artilharia. Lá
estava ele, ainda, com um dos homens da companhia e Jimmie sugeriu a seu
amigo que seria melhor pularem para dentro da trincheira onde estariam a
salvo. Só quando o Irmão Maior sorriu para ele de modo ironicamente
diferente, é que
ele se lembrou que não existia mais o perigo das balas, pois elas podiam passar através de seus actuais corpos etéricos
sem causar desconforto. O
Irmão Maior colocou a mão no braço de Jimmie e apontou para um homem
de um pouco mais de 40 anos, vestindo um uniforme de sargento, que
estava sentado quieto num pequeno abrigo, fumando um cigarro e olhando
uma revista antiga. Enquanto eles o observavam, ele jogou fora o cigarro,
colocou a revista de lado, levantando-se devagar e entrando na
trincheira. Ele andou despreocupadamente até o posto de artilharia,
levantou a cabeça para olhar pela pequena abertura e foi nitidamente
perfurado na testa por uma bala. Ficou parado por um momento e depois,
quando os músculos perderam sua vitalidade, lentamente relaxaram-se e o
corpo também lentamente, escorregou pela parede da trincheira, caindo
devagar. Isto foi o que o assustado soldado de plantão presenciou, mas
o que Jimmie viu foi o sargento sair calmamente de seu corpo e ficar
olhando para o soldado com uma expressão de perplexidade em seu rosto.
Jimmie não precisou de nenhum guia para dizer-lhe o que tinha
acontecido, e chamou o sargento Strew que olhou para ele e disse devagar: -
Oi, Jimmie, que bom ver você. Quando chegou? Soube que tinha "morrido". -
Oi, amigo - disse Jimmie - acabei de chegar e trouxe um amigo meu. Ele
virou-se para o Irmão Maior e disse: -
Eu o apresentaria a meu amigo, o Sargento Strew, senhor, se soubesse seu
nome. O
Sargento Strew pareceu não demonstrar nenhuma surpresa ao ver Jimmie na
linha de fogo desta maneira, trazendo um amigo com ele como se a
trincheira avançada fosse um lugar de visita. Esta circunstância
incomum não pareceu a nenhum deles fora do normal. Geralmente é assim
que acontece com aqueles que acabam de "passar" e que não
tiveram seus poderes de observação e razão treinados. O sargento
sabia que Jimmie estava morto, ou pelo menos foi informado disso e não
tinha razões para duvidar do fato. No entanto, quando Jimmie
apareceu-lhe vivo, bem e aparentemente à vontade, o sargento aceitou o
fato sem hesitar. Porém, se tivesse visto Jimmie antes da bala de
precisão ter danificado a ligação entre seus corpos físico e vital o
caso teria sido inteiramente diferente. A
maneira respeitosa com que Jimmie se dirigia ao Irmão Maior, também
era indicação não só da atmosfera ou aura de dignidade e poder que
circundava o Irmão Maior, como mostrava que estas vibrações áuricas
não eram impedidas pelo corpo físico, daí serem mil vezes mais
potentes do que se isso acontecesse no plano físico. Jimmie nada
conhecia sobre vibrações mentais e não tinha a mínima ideia de que a
causa de sua atitude estivesse fora dele mesmo, mas estava ciente da
atitude de respeito para com o Irmão Maior e agiu de acordo com sua boa
educação. O nome foi dado, eu não posso divulgar, mas vou substituí-lo e direi que
o Irmão Maior deu o nome de Campion. Terminadas as apresentações, o Irmão Maior disse: - Jimmie, encontre-me dentro de uma hora e traga seu amigo. - Sim Senhor, mas meu relógio parou e terei que adivinhar a hora. E onde
o encontrarei Senhor? -
Mandarei alguém encontrá-lo quando for a hora. O
Irmão Maior aparentemente deu um só passo do fundo até o topo da
trincheira, e saiu pela retaguarda. O sargento gritou e saltou para
impedi-lo, mas Jimmie segurou-o pelo braço. Strew virou-se para Jimmie. -
Pare-o! Chame-o de volta! -
Não se preocupe com ele - murmurou Jimmie -ouça-me. -
Está bem, tenente, se você quer assim. Mas, Jimmie, como estou
contente em revê-lo. Mas, você percebeu como aquele seu amigo subiu a
trincheira num só passo? Que homem, não? -
É, ele realmente é. -
Vai ser uma óptima notícia para os rapazes saber que você está bem
de novo. Ouvimos que você tinha morrido, três dias atrás. Estou muito
contente em saber que foi um erro, mas, onde você esteve todo este
tempo? Jimmie
tinha chegado no momento exacto em que havia uma trégua na luta e o
Sargento Strew tinha sido a única vítima fatal naquela hora. O
sargento estava tão ocupado olhando e conversando com Jimmie que não
percebeu as pessoas que rodeavam o seu corpo morto. Jimmie estava
aturdido, pois não sabia como contar o sucedido de maneira suave. Nunca
havia tido essa missão antes. -
Bem, sargento, a coisa mais curiosa de tudo isto, é que a notícia que
lhe deram é a pura verdade. - O que é verdade? -
Bem, que eu fui morto. -
Você foi atingido na cabeça é este o seu problema. -
Não, não fui. Estou fornecendo as informações verdadeiras. Eu fui
morto. -
Jimmie, volte e diga ao médico para consertar sua cabeça. Você não
está “regulando bem”. Eu devia ter desconfiado disso, pois você não
devia ter trazido aquele lépido, ágil senhor até aqui, uma vez que
sabe que é contra qualquer regulamento, mesmo sendo você um tenente, e
também não sei como ele saiu, passando por todos os oficiais. -
Bem, é assim, sargento, muitos homens são mortos e nunca chegam a
saber o que aconteceu a eles. -
Sim, e alguns acham que estão mortos quando nada aconteceu. Se você
tivesse morrido, sabe que seria agora um fantasma, como diacho eu
poderia vê-lo e estar falando com você? Não pode ser, Jimmie. Você
está tão vivo quanto eu. -
Isto também é verdade, sargento, mas se olhar para trás um momento,
vai ver que você está tão morto quanto eu. Jimmie apontou para o corpo morto que tinha sido colocado sobre umas tábuas
no fundo da trincheira, pronto para ser retirado para a retaguarda se as
coisas continuassem quietas depois de escurecer. O sargento virou-se e
olhou. Olhou por muito tempo e em silêncio. Andou e ficou ao lado do
corpo olhando-o cuidadosamente. Falou com o sentinela no posto de
artilharia, mas não obteve nenhuma resposta, falou novamente, mais
forte, e depois caminhou até ele tocando-o no ombro; tentou sacudi-lo
mas, sentindo suas mãos penetrar dentro dele, desistiu de tentar. Virou-se
para Jimmie e disse abruptamente: -
Acho que você está certo, Jimmie. Eu morri. Jimmie
olhou para o Sargento Strew e este olhou para Jimmie. Nenhum dos dois
sabia o que dizer. A situação era nova e embora Jimmie conseguisse
encontrar palavras para confortar um amigo que tivesse perdido algum
ente querido, sempre esse dever pareceu-lhe difícil; mas, neste caso,
quando era o próprio amigo que tinha morrido e quem procurava confortá-lo
também estava morto, a situação tomou-se curiosa. Jimmie sorriu
suavemente. O momento era muito sério, mas havia nele um elemento de
humor. Isto pareceu-lhe engraçado, pois humor e a vida após a morte
tinham sido considerados por ele como ocorrência tão distante quanto
os pólos. Até onde ele tinha conhecimento, ninguém jamais havia
ligado as duas coisas. O sargento, porém, estava muito sério. -
Então, aconteceu finalmente - ele disse em parte para ele mesmo, em
parte para Jimmie. Aconteceu finalmente e não é nem de leve corno
pensei que fosse. Diga-me - ele olhou para Jimmie - você já está
assim há três dias e já deve estar sentindo-se em casa a esta altura,
portanto, onde eles estão? -
Onde estão o quê? -
Bem, céus, embora eu saiba que nós não vamos para lá logo no começo,
onde estão todas as coisas que os padres contam sobre o inferno, os
diabos e tudo o mais? Aqui é exactamente igual ao lugar que estávamos
antes e não vejo muita diferença, excepto que Milvane não me ouviu
quando eu falei com ele. Mas o que se faz aqui? Saímos a procurar uma
harpa para tocar, vamos lutar, ou o quê? Suponhamos que um grupo de
fantasmas alemães apareçem, que vamos fazer? -
Sinceramente não sei - disse Jimmie, para quem a ideia era nova. -
Bem, não sei o que podemos fazer, mas tinha certeza que posso golpear
qualquer fantasma alemão envolto em panos brancos que se apresentar. Jimmie
sentiu urna sensação estranha. Jamais havia sido um rapaz profano e
sua imprecação pior tinha sido a palavra "droga". Mais forte
do que isto, ele raramente proferia, mas agora que o sargento tinha
usado algumas palavras impróprias, que talvez, alguns companheiros
classificassem de palavrão, isto é autêntico
palavrão, Jimmie teve uma sensação quase igual à dor. Era um
sentimento misto, não uma dor física mas ao mesmo tempo semelhante a
ela; era muito mais que simples repugnância a alguma coisa que
antigamente nem teria notado. Lembrou-se do pedido do Irmão Maior e
considerou se já havia passado uma hora. Sendo assim, ele devia levar
seu amigo à presença atemorizante daquele estranho homem. Suas dúvidas
foram esclarecidas pela repentina aparição, surgindo do nada, de uma
criança sorridente que se aproximou dele dançando, pronunciando as
palavras de uma forma cantarolada, como as crianças geralmente fazem. -
Venha, Jimmie, o Irmão Maior o espera. Jimmie virou-se para o sargento que estava tentando interferir com um
soldado ocupado em remover o cinto de munição do seu corpo abandonado. -
Venha, sargento, o Sr. Campion quer-nos ver. -
Azar de seu amigo. Olhe este idiota tentando tirar todos os meus
cartuchos e ele sabe muito bem que eu tenho todo o meu tabaco num dos
bolsos e eu sou responsável por aquele cinto. Solte isso, seu tonto! Esta
última imprecação foi dirigida ao soldado a quem o sargento deu um
murro com a mão direita que sob condições normais, poderia quase
derrubar um touro, mas o soldado não teve a mínima reacção. O
sargento ficou imóvel de tanta raiva. Jimmie
teve que parar um minuto para esclarecer a situação em sua própria
mente e então com uma risada, ele colocou-se entre o encolerizado
sargento e o impassível ladrão, que não era um ladrão mas
simplesmente um soldado obedecendo ordens. -
Saia daí, sargento! Você está morto! entende isso? Você está morto!
Você não pode machucar aquele rapaz. Venha comigo. Você está morto! O
sargento deu um passo para trás, olhou Jimmie por um momento, com uma
expressão de perplexidade em seu rosto, e coçando a cabeça disse
pensativamente: -
É verdade, eu tinha esquecido. -
Lógico - Jimmie sorriu para ele - E para que serviria seu tabaco? Você
não pode fumar agora. O
sargento parou de repente, com uma sacudidela ficou erecto, olhou para
Jimmie abrindo cada vez mais os olhos, horrorizado. -
Aquilo não era o inferno? Outra
vez Jimmie sentiu aquele doloroso sentimento apoderar-se dele quando o
sargento pronunciou essas palavras. Novamente duvidou da conveniência
de conduzir esse soldado profano, corajoso e honrado que ele sabia ser,
diante do Irmão Maior que era como Jimmie tinha qualificado, de algo
parecido com um "Pastor perspicaz", ou um "Piloto do Céu".
O exército raramente usava a palavra ministro,
e Jimmie havia adquirido o vernáculo militar. O que pensaria este
amigo de Marjorie se o Sargento Strew se esquecesse e proferisse
casualmente um palavrão? Novamente
a criancinha com o rosto sorridente dançou diante de seus olhos e
repetiu a mensagem. -
Venha Jimmie, o Irmão Maior precisa de você. Desta
vez Jimmie fez questão de obedecer. -
Venha sargento, são ordens, tenho que levar você comigo. O
sargento foi, pensativo, murmurando alguma coisa sobre tabaco e a
inutilidade de um lugar onde não se pode fumar um cigarro reconfortante.
Apesar disso, seguiu com um ar preocupado, alçando-se fora da
trincheira atrás de Jimmie e olhando nervosamente ao redor como se
temesse que ao vê-lo pudesse excitar Fritz e recomeçar o bombardeio. -
Não se preocupe - disse Jimmie, percebendo a apreensão do sargento -
Fritz não pode ver você, e se pudesse não poderia machucá-lo. Você
está totalmente morto. -
Está certo, eu nunca pensei nisso. Ainda não me acostumei com a ideia
de estar morto. Passou
a mão aborrecido por sua testa, depois teve um sobressalto ao sentir o
buraco em sua cabeça e retirou sua mão cheia de sangue. Apalpou
cuidadosamente o lugar onde os projécteis se haviam instalado. -
Olhe, acho melhor eu ir tratar disto. É um lugar ruim para ser atingido.
Eu devia ter, é um milagre eu não... Calou-se
de repente e olhou pensativo para Jimmie. O ferimento evidentemente o
impressionara, pois, apesar da evidência, ele ainda não tinha
absorvido a ideia de que estava morto. Geralmente leva muito tempo para
convencer-nos de uma coisa que sabemos e admitimos prontamente como uma
simples afirmação do facto. Apesar do sargento saber que estava morto,
ele ainda não se convencera da realidade, nem havia aprendido a
coordenar seus pensamentos com o que sabia ser a verdade e o impulso
arraigado de "tratar" um ferimento antes de sobrevir complicações,
era muito forte para ser abandonado. Jimmie
não sabia, e portanto não podia explicar ao sargento, que o sangue que
tinha manchado sua mão era simplesmente o resultado de sua firme e fixa
ideia de que deveria haver sangue onde existisse um grande ferimento.
Subconscientemente, o sargento compreendia que se estava morto e era um
fantasma, então, não podia sangrar. No entanto ele estava sangrando,
pois sua mão não estava coberta de sangue? Portanto, parcialmente por
métodos conscientes e em parte por métodos subconscientes, chegou um
ponto em que duvidava realmente se estava morto ou não. As teorias
foram jogadas ao vento. O ferimento era um facto prático e convincente. -
Diga-me, Jimmie, preciso ir tratar disto. Vou ver seu amigo outra hora.
Tenho que ir antes que fique pior. Era,
sem dúvida, um ferimento muito feio, não só por onde a bala tinha
penetrado na testa, mas muito pior, por onde ela havia saído na parte
posterior da cabeça, onde o ferimento era muito maior. Jimmie percebeu
a necessidade de "tratá-lo". Mas um pensamento passou por sua
mente: onde? Por
mais caridosa e abnegada que fosse a Cruz Vermelha, não havia nenhum
hospital que ele conhecesse onde um homem invisível pudesse ser tratado
de um ferimento mortal, do qual já estivesse morto. - Onde você vai, sargento - ele perguntou - onde acha que pode tratar
disso? Não entendeu ainda que foi isso que o matou? - Eles não têm hospitais aqui? - perguntou o sargento – para onde vão
os fantasmas quando são feridos? - Eles não se machucam. - Duvido! Eu estou machucado, não estou? Se não tratar disto estou
sujeito a... -
A quê, sargento? A voltar à vida novamente? -
Raios, Jimmie. Isto dói muito. É incrível que você não chame uns
enfermeiros ou uma ambulância ou alguma coisa em vez de ficar aí
sorrindo como um tonto. Lógico que eles têm ambulância aqui.
Naturalmente eles devem ter. CAPÍTULO
III UM VÔO DE ALMA -
Não, aqui não há ambulâncias sargento, mas eu o levarei onde você
poderá tratar de seu ferimento. -
Jimmie virou-se para ver quem havia falado e ficou um pouco surpreso ao
ver o Irmão Maior de pé, calmo, com o leve indício de um sorriso em
seus lábios. -
Por favor, venham comigo, vocês dois. Ambos
seguiram-no. Jamais ocorrera a eles questionar aquela voz amável que,
apesar de toda a gentileza, parecia encerrar uma nota decisiva e plena
de autoridade. -
Pegue a mão dele, Jimmie - disse o Irmão Maior, ao mesmo tempo que
segurava o sargento pelo outro braço. Jimmie obedeceu e ficou
impressionado ao ver como estava viajando depressa. Em poucos minutos
eles "desceram", como ele depois descreveu, e sentiu que
estavam em um campo plano, a algumas centenas de metros de uma enorme
construção em estilo grego com enormes colunas simétricas, que
terminavam em capitéis coríntios, e com uma iridiscência ou brilho
estranho cercando toda a estrutura. Jimmie não sabia, a princípio, se
realmente estava vendo isto ou não. Na verdade, ele não via isto de
uma forma contínua e o Sargento Strew, que parecia estar acordando de
um sonho, aparentemente não viu mesmo nada. De
mãos dadas atravessaram o gramado e subiram por uma série de degraus
que circundavam a construção e que abriam caminho por entre o que
pareciam fileiras intermináveis de colunas, até que o Irmão Maior
abriu uma porta e os conduziu para dentro de uma sala, seguindo-os. Tendo
fechado a porta, virou-se para o Sargento Strew que estava aparentemente
desmaiando devido a perda de sangue. -
Agora, sargento, deve desculpar-me por tê-lo feito esperar tanto antes
de tratar do seu ferimento. Ele
abriu um pequeno armário e retirou de uma das prateleiras um minúsculo
frasco cheio de uma substância escura, quase da mesma consistência da
vaselina. -
Agora, sargento, deste lado do véu, nós
podemos obter resultados com maior rapidez do que do lado que você
acabou de sair, e vai ver que se fizer como eu peço, seu ferimento
estará totalmente curado sem deixar nenhuma cicatriz. Colocou-se
em frente do sargento, lambuzou seu dedo com um pouco da substância
escura e disse: -
Por favor, sargento, fique bem imóvel e concentre sua mente na forma
que sua testa era antes de ser ferida. Pense assim e imagine que este
ferimento nunca aconteceu. Ele
tocou a testa do sargento levemente com o dedo que ele havia lambuzado
com a substância escura. O sargento cerrou seus olhos, contorceu seu
rosto em uma expressão que para ele, era a forma correcta de quem
estivesse em concentração. O
Irmão Maior retirou sua mão e, para surpresa de Jimmie, a testa do
sargento estava tão limpa e lisa quanto a de uma criancinha. Lisa, isto
é, excepto pelas rugas produzidas por suas fantásticas contorções
faciais ao tentar obedecer o comando do Irmão Maior de "concentrar-se". -
Bem! Bem! - disse Jimmie. O
Sargento Strew abriu seus olhos. -
Seu ferimento desapareceu como se nunca tivesse existido. -
É mesmo? - Ele tocou sua testa com cuidado e de modo inquiridor. -
Doutor, eu tenho que cumprimentá-lo pelo trabalho. Faria uma fortuna
nos Estados Unidos. Você deve ser um mágico. O
Irmão Maior sorriu. -
Você é que fez isto, meu amigo. Foi sua imaginação e sua força de
vontade, não minha habilidade que o curou. O
Sargento Strew não pareceu convencido e, furtivamente, tocou sua testa
como se em dúvida quanto a alguma mudança forjada por sua própria
imaginação, mas o ferimento estava cicatrizado e ele deu um suspiro de
alívio. -
Ufa! - ele disse - se eu tivesse sabido como fazer isto antes! - Virou-se
para o Irmão Maior - você realmente disse que eu me curei sozinho? -
Exactamente. Curou-se e aquilo que eu passei em sua testa foi
simplesmente para ajudá-lo a concentrar-se. Se um dos seus braços
tivesse sido arrancado e você tivesse chegado aqui com um braço só
poderia tê-lo readquirido, tão facilmente como você foi capaz de
curar este ferimento. A matéria, deste lado do véu é maravilhosamente
sensível ao poder
da vontade, e a tarefa à qual quero introduzi-lo imediatamente é
de ir ao encontro dos seus companheiros quando morrem, acalmá-los,
mostrando-lhes como curar seus ferimentos e também como retirá-los das
linhas de batalha. Para
aqueles que morrem, a batalha está terminada e é seu dever, assim como
seu privilégio, ajudar não mais lutando, mas fazendo com que os
outros parem de lutar e comecem a mudar seus pensamentos do plano
terreno em direcção ao grande futuro e às tarefas e deveres que esta
mudança encerra. -
Mas, suponhamos que o inimigo faça um "ataque"? O que devo
fazer? Como posso ajudar a lutar? - Simplesmente
recusando-se a lutar. Você não está mais no plano físico onde
podia ser compelido a lutar. Os alemães não podem machucá-lo, mesmo
que façam um "ataque" e o cerquem. Tudo o que tem a fazer é
cumprir ordens; ignore os alemães, a menos que saiba falar alemão. Neste
caso é seu dever ajudá-los a parar de lutar e curar seus ferimentos,
do mesmo modo que é seu dever ajudar seus companheiros. E
lembre-se que enquanto estiver fazendo este trabalho, estará executando
o trabalho do Mestre, e o poder e a força do Mestre estão com você de
maneira que nada pode feri-lo. No entanto, se desobedecer estas
ordens e deixar sua raiva aparecer tentando machucar alguém - somente
assim poderá ser ferido. Em resumo - obedeça às ordens e estará
perfeitamente seguro mesmo que seu trabalho o leve para o centro do exército
alemão. Desobedeça ou deixe suas paixões levarem-no para o ódio
e a raiva, e perderá a segurança, mesmo que esteja sozinho em uma ilha
no Oceano Pacífico. Compreendeu? O
Irmão Maior endireitou-se como se fosse um soldado em posição de
"sentido". O sargento ficou muito impressionado e bateu seus
saltos com uma saudação, dizendo: -
Suas ordens serão cumpridas, senhor. -
Um momento, sargento. O
Irmão Maior ficou parado por um momento, aparentemente pensando. Ele
estava nesta atitude há cerca de um minuto quando a porta se abriu e um
homem vestindo um uniforme de soldado canadense entrou. -
O senhor chamou? -
Sim. Por favor, vá com o Sargento Strew e mostre a ele como fazemos
nosso trabalho. Você não vai ser chamado para o serviço activo logo,
sargento. O
Irmão Maior continuou, dirigindo-se ao nosso amigo. -
Mas os alemães estão para começar outro ataque e muitos, de ambos os
lados morrerão; e precisaremos de todos os nossos auxiliares e muitos
mais. Tenho certeza que você vai fazer o possível para ajudá-los,
influenciando-os a parar de lutar e a mudar sua atenção para outras
coisas, agora que eles estão deste lado do véu. O
Sargento Strew e o canadense fizeram continência e saíram. O
que aconteceu com o sargento e a maneira como foi introduzido ao trabalho
do grande grupo de auxiliares invisíveis que se empenham com toda
força para evitar um grande desastre para o mundo, Jimmie soube depois.
Sentia-se repleto de aventuras e de muitas coisas terríveis, mas também
algumas coisas quase cómicas. Mas isto não faz parte desta narrativa. O
Irmão Maior ficou por um momento absorto em pensamentos depois da
partida do Sargento Strew, e Jimmie ficou a observá-lo, esperando-o
falar. Depois de alguns minutos Jimmie quebrou o silêncio. -
O senhor disse que eu tinha certos deveres, também? -
Sim. Mas os seus são diferentes daqueles do sargento. Precisa aprender
o máximo possível, porque o seu campo de acção não será aqui. Você
vai voltar. -
Voltar? -
Sim. Você não foi morto, só ficou atordoado e quando chegar o momento
certo você voltará para trabalhar novamente no seu próprio corpo no
plano físico. Lá, será seu grande e elevado privilégio contar,
dentro de suas possibilidades, as coisas maravilhosas que serão
mostradas e ensinadas a você, aqui. -
Mas, se eu não estou morto, então isto tudo não é um sonho? Marjorie
disse que eu estava morto. Será que eu só imaginei que vi Marjorie? -
Não. Você realmente viu Marjorie e falou com ela. Além disso, você
está aqui agora, porque não é necessário morrer para vir a este
lugar. Marjorie estava equivocada e é muito natural que assim tenha
acontecido. Na realidade, por algum tempo não tínhamos a certeza se
seria possível reintegrar seu corpo etérico com suficiente rapidez.
Mas seu trabalho é necessário na terra. Você conquistou essa
oportunidade em suas vidas anteriores e, como há muita necessidade,
foi-lhe dada ajuda especial. Nem você nem Marjorie pararam para
reflectir que você não tem nenhum ferimento. -
É verdade - Jimmie disse - pensando bem, eu não tenho nenhum ferimento.
Não havia parado para pensar nisso antes. Mas, eu me lembro de ter
visto muitos homens mortos nos campos de batalha sem terem qualquer
ferimento. -
Isso é verdade. Eles morreram pelo choque da explosão e isto
foi quase o que poderia tê-lo
matado, isto é, expulsando
seu corpo vital do seu corpo físico, quase a ponto de romper o cordão
prateado. Mas,
pelo fato de você ser necessário, é que recebeu uma ajuda extra, senão
estaria realmente e absolutamente morto, como você chamaria isto. Sem dúvida,
estaria deste lado do véu sem nenhuma chance de voltar. Mas, porque em
suas vidas passadas iniciou-se no Caminho, fez o voto de servir e pelo
seu trabalho ganhou a oportunidade de mais serviço, aconteceu que,
quando seu corpo etérico saiu, com a explosão da granada, as partículas
de seu corpo vital foram preservadas de desagregação; e quando
chegar o momento de você regressar ao corpo físico, que está ainda
estendido em um hospital na linha de batalha, você será ajudado a
reter na memória tudo o que você viu e ouviu aqui, de modo que
poderá trabalhar para obter melhores resultados. Em seus sonhos, você
tem fisicamente visto e falado com Marjorie, e em muitas dessas viagens
"deslizou" com ela. Mas, desta vez foi bem diferente, e não
é milagre que ela se tivesse enganado. -
Mas eu nunca sonhei com ela, senhor, este tem sido um dos maiores
ressentimentos de minha vida. -
Sim! Embora nunca tenha sonhado com ela, vocês encontraram-se muitas
vezes e fizeram muitas viagens juntos, pois durante o sono geralmente
ficamos longe de nossos corpos no País do Sonho, embora poucos sejam capazes de lembrar de suas visitas a esta terra dos
mortos vivos e, aqueles que estão começando a fazê-lo, levam,
frequentemente, memórias distorcidas e confusas. Uma das
coisas que eu espero que aprenda logo a fazer quando voltar, é levar
sua consciência com você. -
Quer dizer que isso pode ser feito? -
Sim, sem dúvida. É muito mais fácil do que pode parecer e
especialmente para almas que estão bem evoluídas. Na verdade, é uma
constante indagação minha por que mais pessoas não são capazes de
fazê-lo. Você ganhou o privilégio de fazer isto durante suas duas
ou três vidas anteriores, e não será uma tarefa muito difícil
adquirir essa habilidade. -
Minhas duas ou três vidas? O que quer dizer com isso? Quer dizer que eu
já vivi antes? -
Exactamente. -
Onde? -
Na terra. E sua última vida foi passada não muito longe de onde
estamos agora, isto é, foi no sul da Europa. -
Mas, eu sempre achei que quando morremos, morremos, e que ou vamos para
o céu ou para - o outro lugar. -
Não! O esquema da evolução humana é muito maior e mais maravilhoso
do que isto. E porque é muito mais complexo, devido à grande
quantidade de trabalho a ser feito e ao facto de você poder ser muito
útil, é que será ajudado a voltar. Mas, primeiro, quero que faça uma
pequena viagem comigo. Ele
fez um sinal para Jimmie segui-lo, que segurou sua mão em sinal de
obediência. Empreenderam uma rápida viagem, durante a qual Jimmie só
pôde olhar de relance as partes da terra sobre as quais sobrevoaram e,
antes que um minuto se passasse, eles encontravam-se em uma sala pouco
mobilada, onde uma mulher estava sentada, costurando perto de uma mesa
pequena, enquanto duas crianças estavam brincando no chão, ao seu lado.
Ao costurar, lágrimas rolaram lentamente por sua face, ela não emitia
nenhum som, só ocasionalmente olhava para a mesa onde estava uma carta
aberta. O
Irmão Maior permaneceu de pé, quieto, em um canto. Sua face grave
mostrava a compaixão que sentia, enquanto Jimmie encaminhou-se até a
mesa e examinou a carta. Era um anúncio seco, formal do governo,
informando que Henry L. E. tinha sido mortalmente ferido em combate. Instintivamente
ele recuou em respeito à tão grande dor. Ao fazer isto, um homem em
uniforme entrou pela porta fechada e ficou lá, suas mãos esticadas em
direcção à mulher, que não lhe deu nenhuma atenção. Em sua túnica,
exactamente sobre o coração, havia um pequeno buraco redondo, e a túnica
estava manchada de sangue. -
Oh, Emma - o recém-chegado quebrou o silêncio - Emma! - ele gritou,
com um soluço em sua voz. A
mulher não respondeu, mas pareceu um pouco agitada e ergueu sua cabeça
como se tivesse escutado um som aguardado com ansiedade. A criança mais nova engatinhou
em direcção ao homem de uniforme, balbuciando algo parecido com boas-vindas
que, com alguns meses mais de prática, poderia converter-se no familiar
"Papai". Com
um soluço a mulher pegou a criança. -
Não, não, querido! Papai ainda não voltou. Ele ainda não voltou. -
O bebé pode vê-lo - disse o Irmão Maior para Jimmie - mas a mulher não,
e talvez até seja melhor. Quando ela for dormir hoje à noite - ele
disse virando-se para o homem de uniforme e tocando-o no braço - quando
ela for dormir hoje à noite, ela deixará seu corpo e ficará com você
até acordar de manhã. Você vai lembrar-se, mas ela não. Todas
as noites você será capaz de se encontrar com ela e de falar-lhe e
assim vai poder ajudá-la a carregar esta provação. Por enquanto,
lembre-se que sua separação é só
temporária, que irá vê-la e estar com ela e com as crianças
todas as noites quando eles forem dormir.
Afinal, sinta que sua ausência é só
temporária. Ela tem um fardo muito mais pesado para carregar. O
homem de uniforme abaixou suas mãos. -
Obrigado, senhor, tirou um grande peso de minha consciência. O
Irmão Maior dirigiu-se a Jimmie e juntos saíram no agora já familiar
deslizamento, passando
pela parede como se ela não existisse. Do
lado de fora, eles estavam nos arredores de uma grande cidade e o Irmão
Maior escolheu uma rua lateral, sombreada e passou por ela devagar,
quase andando. Não havia muitas pessoas na rua, e aqueles que
encontravam não lhes davam atenção, evidentemente porque não os viam.
No início, era difícil para Jimmie, desviar-se dos pedestres que
passavam naturalmente pela calçada. O Irmão Maior, porém, não
prestava maior atenção às pessoas, nem elas nele, e caminhava
despreocupadamente sem se importar, como se elas fossem meras sombras. Jimmie
observou-o, depois
tentou e descobriu, para seu alívio, que não lhe causava nenhum
inconveniente passar através de uma pessoa na rua e que esse era o único
procedimento razoável a seguir. -
Mostrei-lhe um pouco do sofrimento causado pela guerra - disse o Irmão
Maior lentamente - não que você não tenha conhecimento disso, mas
simplesmente para fazê-lo perceber que a maior parte da agonia causada
pelo conflito surge da ideia de que a morte significa uma separação
completa e, provavelmente, permanente. Apesar de muitas
pessoas dizerem, se fossem inqueridas, que acreditam firmemente em uma
vida futura, o facto é que poucas crêem nisso ao ponto de aceitá-la
totalmente. Podem
ver a morte e pensam que a compreendem, mas quanto à vida no além,
ficam muito inseguras. Se
pudessem saber, não como teoria mas como um facto, que são espíritos,
filhos do grande Pai no Céu, e como tais não podem mais morrer, assim
como Ele não pode, e se ao menos pudessem perceber que esta vida não
é a única na terra, mas que a humanidade vive muitas outras vezes em
corpos e ambiente cada vez mais aprimorados, e também que
seu progresso é sempre para a frente e para o alto, trabalhando com a
Grande Lei, isto poderia ser muito mais acelerado e elas evitariam muito
sofrimento. Se pudessem ao menos perceber que elas próprias é
que são responsáveis por seus problemas e que os infortúnios que
carregam não advêm da vontade de divindades caprichosas, mas do
resultado de sua própria desobediência à Sua Vontade (como é
mostrado através de Suas grandes e justas leis) tanto na sua vida
presente quanto nas passadas. Mais, na medida em que obedecerem Sua lei
moral e praticarem a conduta que Cristo o Grande Mestre, estabeleceu, evitarão
o sofrimento e estarão prontas para serem auxiliares no grande trabalho
de elevar seus companheiros. Ele
parou de falar, sua face brilhando com luz, e quando Jimmie percebeu um
halo de luz ou nuvem de iridescente beleza e de cores levemente
faiscantes envolvendo-o, surgiu em sua mente um antigo verso que ele
havia ouvido quando menino: Como
é resplandecente o brilho desses espíritos gloriosos. -
Já está quase na hora de você voltar - continuou o Irmão Maior - e
eu não posso falar e permanecer muito mais aqui, portanto, vou manter
minha promessa e deixá-lo ficar um pouco com Marjorie. Mas antes de nos
separarmos quero deixar gravado que quando estiver bem recuperado e for
capaz de andar, quero
que me vá ver a Paris. Mencionou-se
uma rua e um número. -
Mas eu pensei... eu pensei que você tivesse... eu pensei que você
vivesse aqui. O
Irmão Maior riu. -
Não na verdade. Ainda estou na carne, e quando você estiver bem,
encontrar-nos-emos em Paris e isto será uma das provas para você de
que tudo isto não é um sonho mas uma realidade. Começou
a andar mais rapidamente e Jimmie, seguindo-o, em obediência a um gesto
de comando, logo encontrou-se na mesma suave campina onde havia primeiro
recuperado sua consciência. -
Marjorie logo estará aqui e eu o deixarei com ela que lhe explicará
algumas coisas, mas você não deve considerar este nosso encontro como
o último, nem como a única introdução à Terra dos Mortos que Vivem.
Sua iniciação às coisas espirituais veio de uma maneira diferente
da usual, mas isto não é um presente, pois você o mereceu, e será
seu dever trabalhar dez vezes mais
de agora em diante. -
Ele vai fazer isto, não é verdade, Jimmie? Marjorie,
que apareceu sem ser notada, estava parada, sorrindo, em frente deles.
Jimmie pegou suas mãos e sorriu também. -
Sim, certamente, eu o farei, senhor. -
Então, até logo, por enquanto. Jimmie
olhou para Marjorie preparando-se para dizer adeus ao Irmão Maior mas,
para sua surpresa, eles estavam sozinhos. -
Soube que você vai voltar, e eu estou muito feliz porque isto quer
dizer que será capaz de trabalhar simultaneamente nos dois lados do véu.
Oh, Jimmie, como invejo suas chances de trabalhar! O
resto da conversa de Jimmie com Marjorie, embora de muito interesse para
ambos, não diz respeito à nossa história, e seria um abuso dos privilégios
de nossa clarividência reproduzi-la. Jimmie falou de sua
decepção por não terem sido mostradas as grandes visões que lhe
haviam prometido, nem dada nenhuma instrução sobre o "trabalho"
que deveria fazer. Marjorie
tranquilizou-o, e tão absoluta era sua fé na sabedoria do Irmão Maior
e tão positivas suas afirmações, que as dúvidas de Jimmie
desapareceram. Seus
olhos estavam ficando cada vez mais pesados e uma sonolência incontrolável
apoderou-se dele, pela qual tentou desculpar-se, mas Marjorie sorriu-lhe.
Sua última lembrança foi vê-la ali, com um brilho ténue circundando-a
e um sorriso em sua face, disse-lhe: -
Você está regressando! Então,
a escuridão pareceu cobrir por completo a Terra dos Mortos que Vivem. CAPÍTULO IV DE VOLTA À TERRA UMA BONITA ENFERMEIRA Urna
sensação de queda; grandes massas escuras em redemoinhos, sentidas, não
vistas; a impressão de estar indo disparado no espaço a uma velocidade
vertiginosa, sozinho, a cabeça primeiro para baixo, quase impossível
controlar o incrível mergulho, no entanto, não era desconfortável nem
particularmente inquietante. Havia, sim, a curiosidade para conhecer o
resultado desta excursão sem guia e precipitada, urna leve consciência
de diminuição da escuridão e da velocidade, um aumento gradual de
luminosidade crepuscular sem qualquer origem específica e nada
revelando em particular. Eons de tempo passavam; urna aparição final
do sol visto debilmente através das nuvens e da neblina, e, pouco a pouco,
a visão que se vai clareando. Muito tempo se passou e as nuvens
tornaram-se mais leves e mais rosadas; urna lenta mudança final do sol
na suave luz do alvorecer sobre um globo giratório incandescente e as
nuvens rosadas transformaram-se em um tecto e paredes brancas. Nada mais
era visível. Urna sombra projectou-se sobre a parede e dentro do raio
de visão moveu-se o que pareceu ser a cabeça de urna jovem deusa que
usava o queque do uniforme da Cruz Vermelha. Parecia-se
um pouco com Marjorie... Quem era Marjorie? Fez um esforço para lembrar-se.
O nome aflorou com facilidade, Marjorie... Marjorie... quem era
Marjorie? Quem
era ele? Jim, Jimmie ... Quem era Jimmie? De onde veio? Um nome
familiar! Eles chamavam-no Jimmie. Eles? Quem? Quem eram "eles"?
Marjorie chamou-o Jimmie. Quem era aquela menina com o queque da Cruz
Vermelha, que se assemelhava um pouco a Marjorie? Ela havia parado e
estava olhando para ele. Não, ela não era Marjorie. Marjorie era muito
mais bonita e Marjorie tinha um brilho suave ao seu redor. Marjorie
parecia estar muito mais viva que
esta jovem e Marjorie brilhava, com luz própria. Esta moça não
brilhava. Provavelmente não era sua culpa. Naturalmente, poucas pessoas
podiam brilhar como Marjorie, ele sorriu. Como
foi mesmo que Marjorie havia chamado aquilo? Oh, sim, uma aura - aura. A
moça com o queque da Cruz Vermelha estava sorrindo para ele agora, mas
ela não brilhava como Marjorie. Mas, mesmo assim, ela tinha um sorriso
doce. Parecia uma boa moça. Ele sabia. Mas ela devia brilhar. Ele ia
falar com ela. Uma
enfermeira da Cruz Vermelha, ao passar por seus pacientes em seu turno,
viu aquele soldado que não estava ferido, que permanecia inconsciente já
há muitos dias, vítima de comoção pela explosão de uma granada e
que não tinham conseguido acordar. Ao olhar para ele, ela ficou
surpresa e alegre ao ver que seus olhos estavam abertos e que ele
mostrava sinais de estar consciente. Ele olhava para ela e seus lábios
começaram a mexer-se levemente. Ela aproximou-se, abaixou a cabeça até
que seus ouvidos estivesse próximos aos lábios dele. Só assim
conseguiu ouvir suas palavras, muito fracas. -
Você não está brilhando. Onde está sua aura? A embaraçada enfermeira afagou suavemente sua testa, sentindo uma
profunda pena por esta desamparada ruína humana, vítima da guerra. Os
lábios dele movimentam-se novamente e novamente ela se debruçou para
ouvi-lo. -
Desculpe-me. Foi um engano. Você a tem, sim. -
Tente dormir, agora, você está muito melhor. Ela
colocou sua mão sobre a cabeça dele por alguns momentos e, depois,
como sua respiração normal demonstrasse que ele tinha seguido suas
instruções, continuou sua ronda. Mais tarde, ao fazer seu relatório
para a enfermeira-chefe, assinalou que o número 32 havia recuperado a
consciência, mas estava, aparentemente, um pouco "fora", uma
vez que havia feito perguntas sem nexo, como o por quê dela não
brilhar e onde estava a sua aura. -
O que é uma “aura”? - ela perguntou à enfermeira-chefe. -
Parece que já ouvi esta palavra em algum lugar. -
Eu não sei, filha. Acho que tal coisa não existe. Ele só está fora
de si. Jimmie
acordou de seu sono algumas horas mais tarde com sua mente bastante
clara quanto a impressões exteriores, mas muito confuso quanto a outras
coisas. Ele lembrou-se de sua experiência com o Sargento Strew , com o
Irmão Maior e com Marjorie. Eram entidades vivas e distintas em sua
mente e podia recordar quase todas as palavras, especialmente as de
Marjorie, mas como aconteceu dele estar aqui e onde era "aqui"?
Lá não havia hospitais, no sentido próprio da palavra, mas ele estava
em um hospital. Além disso, a enfermeira andava, não deslizava, e ela
não tinha aura, embora ele se lembrasse vagamente de que quando ela se
debruçou sobre ele, no momento em que acordou pela primeira vez, ela
tinha tocado sua testa tão delicadamente que lhe parecia que ela
brilhava - sim, ele lembrava-se que, de repente, ela ficou envolvida por
uma nuvem púrpura clara. Ele lhe havia dito algo naquele momento, mas,
agora, não conseguia lembrar-se o que foi. Não se importava. Era
suficiente estar deitado aqui, quieto, não pensar em nada -pelo menos
em nada mais do que o necessário. Este lugar podia ou não, ser o céu
mas com certeza era muito confortável. A
enfermeira parou novamente ao seu lado. Ele sorriu-lhe, sentindo-se
confortável e totalmente satisfeito por poder fazer mais do que sorrir.
Mas ela era uma jovem competente e não aprovava o facto de enfermeiras
sorrirem para pacientes ou pacientes sorrirem para enfermeiras. Ela
queria saber como ele se sentia, qual sua temperatura, e levantá-lo um
pouco, de maneira bem delicada. Ele não se importou com essas atenções.
Quem poderia ficar aborrecido com a atenção de uma deusa? Agora que
ele estava em posição melhor para falar, ia descobrir onde estava.
Iria agir diplomaticamente, de maneira que ela não percebesse o que ele
estava tentando descobrir. Falou-lhe e ela ficou contente ao ouvir sua
voz muito mais forte. -
Por que você não desliza? Coitado!
Sua voz estava mais forte mas evidentemente sua mente continuava
divagando. Mas, muitas vezes, pode-se conseguir bons resultados levando
estes casos na brincadeira. Então, ela respondeu: -
Você não sabe que não nos é permitido dançar aqui e, além disso,
ninguém desliza actualmente. As únicas danças que temos são a valsa
e dois ou três outros passos, mas deslizar está fora da moda. Ele
olhou-a atónito. Talvez não fosse o céu. Talvez fosse... não... não
podia ser. Seu rosto era muito suave e ao mesmo tempo saudável. -
Diga-me... fale... Ela
debruçou-se, plena de compaixão à visão daquele homem tão forte,
deitado ali desamparado, sem esperança, aguardando alguma revelação
piedosa que o orientasse na conturbação de sua mente. -
Onde estou? A
mudança repentina de sentimento foi demais para ela, que riu
francamente. Quando parou de rir, o suficiente para falar, respondeu sua
pergunta. -
Você está no Hospital Americano de Paris, França, e é evidente que
está muito melhor, isto é, tudo menos sua gramática. Outra
vez, ao observá-la, ele viu aquela onda de cor envolvendo-a com um
esplendor de luz púrpura e ele não precisou de palavras para
compreender que embora ela não deslizasse nem soubesse o que era aura,
mesmo assim era uma verdadeira irmã; era um daqueles seres compassivos
que dedicam sua vida ajudando os outros, como o Mestre o faz. Sabia,
embora não atinasse como o sabia, que esse brilho vibrante, esse suave
resplendor não pode ser imitado por nenhuma arte, nem por talento,
conhecimento ou poder, por maior que seja. Nada pode reproduzi-lo a não
ser a pureza, a bondade, o amor e o serviço. Assim, contentou-se por um
momento, recostou-se em seu travesseiro e dentro de alguns momentos
estava adormecido. Só
acordou no dia seguinte, desta vez com a posse total de seus sentidos e
memória, e quando a enfermeira de rosto bondoso e da linda aura fez sua
ronda, ela deparou-se com um olhar de total reconhecimento, o que a fez
reparar, de imediato, que a mente de Jimmie estava totalmente
restabelecida. -
Bom dia - ela disse sorrindo - como vai meu paciente com comoção por
explosão, esta manhã? Ainda sofrendo de distúrbio gramatical? Jimmie
ostentou um largo sorriso. -
O que eu disse a você ontem? -
Oh, nada de mais. Você estava naturalmente um pouco transtornado,
divagava, e pronunciou algumas coisas estranhas. Perguntou por que eu não
dançava, e onde estava minha aura, e por que eu não brilhava. Aliás o
que é uma aura? Existe isso, ou você inventou essa palavra? -
Acho que não posso explicar exactamente o que é uma aura. Ouvi a
palavra e suponho que sei o que ela significa. Tentarei transmitir-lhe
isso. Três
dias mais tarde, Jimmie pôde sair para um passeio. Sentia-se
praticamente bem e com muita fome, mas teve que prometer que, se lhe
fosse permitido sair, não poderia comprar nada para comer. -
Não sei se posso confiar em você ou não - o médico havia dito - acho
melhor a Sra. Louise ir com você. -
Também acho - disse Jimmie pensativamente - Seria realmente muito
melhor. A
Sra. Louise não pareceu contrariada por essa pequena saída quando o médico
perguntou se ela poderia levar seu paciente para um passeio. Na verdade,
ficou muito orgulhosa em poder acompanhar aquele jovem e alto tenente em
seu uniforme recém limpo e passado, do qual qualquer vestígio da lama
da trincheira havia sido removido na lavandaria do hospital. -
Para onde vamos? - ela perguntou ao saírem dos portões do hospital. -
Você sabe onde fica a Rue de la Ex? -
Não, mas podemos perguntar. Perguntaram.
Ele perguntou no melhor francês de trincheira e ela perguntou um pouco
hesitante em seu encantador sotaque e com um fascinante levantar de
sobrancelhas, mas nenhum dos dois pode entender as respostas que
obtiveram. Elas estavam envolvidas por tal torrente de palavras e gestos,
que não lhes ajudaram em nada. -
Eu sei qual é a dificuldade - disse Jimmie depois que o oitavo ou nono
francês os havia deixado numa confusão de gestos e levantar de ombros. -
Oh, o que será? Estou humilhada com o meu francês. -
É sua culpa. - Minha culpa? - suas sobrancelhas levantaram-se em um arco encantador -
Por quê? - Bem esses parisienses olham para você, ficam tão entusiasmados que não
podem falar direito. Não os culpo, também. -
Oh, gostei disso! Sou tão feia assim? -
Não disse que você era feia. Disse que eles olham para você e ficam
nervosos. -
Bem isto é o mesmo que dizer que sou feia. Obrigada, tenente James
Westman pela sua agradável opinião. - Fingida. -
O que você quer dizer com “fingida”? Jimmie
percebeu seu erro e ficou com medo. Não havia percebido o quanto a boa
opinião dela significava para ele e agora que ele estava em perigo,
ficou realmente nervoso. -
Sabe, Sra. Louise, o que quero dizer. Se ainda não sabe vou lhe dizer.
O que quero dizer é exactamente isto... Ouça! não vai ficar brava se
eu lhe disser? -
Já estou brava agora - bastante brava. Você disse que sou tão feia
que ninguém olha para mim sem ficar nervoso. -
Não, eu não disse isto, e eu vou dizer-lhe agora, não importa se você
vai ficar brava ou não. O que eu quero dizer é que você é tão
bonita que quando alguém olha para você, fica naturalmente... -
Naturalmente, o quê? -
Naturalmente perde a cabeça. É isto. É exactamente isto que acontece
comigo todas as vezes que olho para você. Agora fique brava, se quiser. Silêncio. -
Você está zangada? Mais
silêncio. -
Está? Ela
desviou a cabeça, mas ao inclinar-se para ouvir o que ela dizia,
pareceu perceber as palavras: - Não muito. Era
da natureza de Jimmie deixar-se levar pelo entusiasmo quando estava
muito interessado em um assunto, e agora acontecia exactamente isso. -
Vou contar-lhe mais, pode ficar brava, se quiser, o quanto quiser. Sei
que não tenho o direito de dizer, mas eu acho isso e digo que você é
a moça mais bonita, mais suave, mais simpática e mais querida pessoa
na... na... Antes
que a memória de Jimmie projectasse a figura daquela outra jovem que
dançava, flutuava, deslizava, brilhava, a dourada Marjorie, a Marjorie
de voz suave, ele hesitou ao falar. Ele estaria certo? indagou-se. Sua
consciência o punia um pouco. Era certo sentir amor por duas mulheres?
Ele hesitou. -
Na França - concluiu vacilante. Louise
percebeu a hesitação em sua voz. Não sabia se estava apaixonada por
esse homem ou não. Não tentara analisar seus sentimentos mas achava
que ia receber uma declaração e ficou desapontada. A hesitação em
sua voz foi algo que estava em desacordo com suas expressões iniciais tão
inflamadas e elogiosas e, embora não entendesse completamente, só
podia encontrar uma explicação, a mais comum. Com certeza ele tinha
uma noiva em seu país. Suavemente ela libertou-se de sua mão e virando-se
em sua direcção disse: - Eu... eu... acho que é melhor ir agora Sr. Westman. Havia apenas um leve sinal de embaraço em sua voz. -
Louise! Oh Louise! Não pense isso de mim. Sei o que está pensando, mas
é tudo um erro, querida. Você não vai me escutar? Ela vacilou, intrigada pelo fato dele querer namorá-la tendo uma noiva na
América, mas, ao mesmo tempo, não queria colocar um ponto final em
tudo antes de estar segura de que não estava equivocada. -
Pois bem, Sr. Westman, o que você quer dizer? -
Que você é a mais linda moça do mundo. -
Da França, você quer dizer? -
Não, do mundo todo. -
Você tem certeza? Você não quer dizer da França? -
Não! Tenho certeza e reafirmo: de qualquer lugar. -
E aquela moça em seu país? -
Não há nenhuma! Ela
olhou-o pensativamente à princípio, depois com um toque de ironia no
seu olhar. Ele percebeu isto e compreendeu que a sua situação era
desesperadora. Como um raio de luz, isto o fez perceber que estava
apaixonado por esta moça e que não poderia perdê-la. Ele não podia
perdê-la. -
Então, por que você gaguejou? -
Vou explicar e você vai compreender tudo. Por favor, escute-me. -
Estou escutando agora, mas não estou ouvindo muito bem. -
Eu posso explicar tudo enquanto voltamos. -
Oh, eu não sei, Sr. Westman, eu não tenho certeza se quero perder
tempo com coisas que precisam ser “explicadas”. Acho que já está
agora suficientemente forte para cuidar de si próprio, e como tenho uma
incumbência que quero fazer, vou deixá-lo aqui pois preciso apressar-me. Ela
deixou-o apesar de seus protestos, e desceu uma rua lateral enquanto
Jimmie parado na esquina, olhava-a na esperança de que ela pudesse
arrepender-se e olhá-lo novamente. Mas esperou em vão. Com
tristeza, retomou ao hospital. Não havia nenhum outro lugar para ir. Não
tinha disposição para visitar um clube ou ir à A.C.M. - Associação
Cristã de Moços, pois estava muito magoado e triste para misturar-se
com um grupo de soldados. Só queria ficar sozinho e pensar em alguma
coisa que dizer a ela para que mudasse seu modo de pensar. De repente,
as palavras do Irmão Maior vieram-lhe à mente. “Sua
introdução às coisas espirituais verificou-se de maneira incomum, mas
isto não foi um presente, pois você conquistou esse mérito e será
seu dever trabalhar dez vezes mais
de agora em diante. “ Ele
viu então que havia esquecido totalmente sua promessa e o grande
trabalho, qualquer que este fosse, estava contido na palavra “dever”.
Encontrava-se, de alguma maneira, indiferente e descuidado em relação
às experiências maravilhosas, como se houvessem sido um sonho. Havia
saído para procurar o endereço dado pelo Irmão Maior, mas,
tranquilamente, havia deixado tudo para tentar namorar uma jovem! Oh,
mas era uma moça tão bonita! Assim ele se justificou. Isto era, sem dúvida,
uma complicação. Estava amando duas moças, ambas lindas e doces,
encantadoras, mas uma na terra e uma no... no..., vamos dizer no Paraíso.
Só podia casar-se com uma. Será que isto ofenderia a outra? A Louise
acreditaria nele quando ele lhe falasse sobre seu outro amor, será que
ela teria ciúmes? Supunha, pelo menos esperava, não lhe ser
indiferente, mas uma história como essa seria difícil fazê-la
acreditar. Oh!
um pensamento pegou-o de surpresa. O Irmão Maior poderia resolver este
problema, se é que esse ser existe realmente. Não estava certo se
acreditava em sua memória ou não. Se ele
próprio tinha dúvidas, como esperar que Louise acreditasse em suas
palavras? Existia um Irmão Maior ou a sua grande aventura tinha sido
outra nuvem de matéria da qual os sonhos são feitos? Tolo! Havia
provas - provas concretas - se ao menos ele pudesse encontrá-las -
provas que convenceriam até Louise, não importa quão céptica ela
fosse. Eis aí! Ele testaria seu sonho e provaria o que o próprio Irmão
Maior havia sugerido, e ao fazer isto estaria provando, ao mesmo tempo,
para si próprio e para Louise. Algumas
crianças francesas, que estavam brincando na rua, ficaram surpresas ao
ver um tenente de “Os amigos” caminhando lentamente na calçada e,
de repente, começar a correr como se sua própria vida dependesse de
sua velocidade. Louise
ainda não havia retomado ao hospital e Jimmie viu-se obrigado a
entreter-se no portão, sem nada fazer, mas decidido a não perder a
oportunidade de falar-lhe. Sentou-se à sua espera. Louise
aproximava-se, sentindo-se arrependida por sua demonstração de
temperamento. Apesar de tudo, Jimmie estava sofrendo de comoção e tais
pacientes nem sempre são responsáveis por suas acções. Seu passeio
vigoroso sozinha, fez-lhe bem, e a circulação estimulante a que foi
induzida tomou-a mais caridosa, tirando algumas teias de aranha de seu cérebro,
e também lhe trouxe cor a seu rosto, embora naturalmente, ela não se
apercebesse do facto. Jimmie
pulou de sua cadeira quando a viu, ou pelo menos, ele teria pulado se
pudesse. Devido às circunstâncias, ele levantou-se o mais rapidamente
possível e foi ao seu encontro. Se existem ou não certas coisas como
auras ou se Louise reconhecesse uma ou já tivesse visto alguma, o fato
é que antes que Jimmie pudesse proferir uma só palavra, ela sabia que
não havia nele nenhum átomo que não estivesse vibrando de desculpas e
perguntas; parecia-lhe, um cachorrinho brincalhão, adorável, tentando
a todo custo, agradar. Como poderia recusar-se a falar com ele por
alguns minutos? Não é evidente que escutaria o que Jimmie tinha para
lhe dizer, embora tivesse que ser rápido porque seu turno começaria
dentro de meia hora. Jimmie
já havia decidido que a única maneira era contar-lhe exactamente como
os fatos se passaram, por isso, levou-a para um pequeno jardim onde um
parque de recreação havia sido preparado para os convalescentes do
hospital, e aí narrou-lhe inteiramente a história de sua aventura
desde o momento em que se encontrou andando na colina até, como último
acto, acordar no hospital. Ela ouviu com interesse, especialmente quando
ele falou de Marjorie. -
E agora você entende - ele explicou - como é importante que eu
encontre aquele endereço, pois, se esta rua e este número existirem e
se há um homem chamado Campion morando lá, então, tudo que lhe contei
é verdade e ele poderá ajudar-me convencendo-a de que esta experiência
é verdadeira. -
Não há necessidade disso, Sr. Westman, porque se as coisas que me
contou realmente aconteceram ou não, isto não afecta sua autenticidade.
Acredito em todas as palavras que disse e acho tudo maravilhoso. Como
gostaria de ver essas lindas cores das quais você descreve. A Marjorie,
também, ela deve ser encantadora! O
coração de Jimmie palpitou violentamente como a alegre revelação que
ela acreditava em sua história e, consequentemente, o perdoava por sua
lealdade a Marjorie. Era evidente que Louise não acreditava na
veracidade de seu relato, mas devido a maneira tão intensa e séria com
que ele havia narrado suas experiências, embora ela considerasse toda a
história fruto de imaginação ou resultado de um cérebro que está
sofrendo de comoção, ela estava firmemente convencida de que ele
acreditava no que dizia. Isto era o que lhe importava, pois
explicava sua hesitação e seu amor por outra jovem além dela, fato
que de maneira nenhuma, poderia perdoar não fosse a outra moça uma
criatura meramente imaginária que não existia na realidade. -
Louise! Diga, Louise! -
O quê? - Como estou contente por ter tido esta conversa com você. Sabe que eu
temia que estivesse zangada comigo. - Eu estava. Achei que você queria passar o tempo comigo aqui, ao mesmo
tempo que tinha outra namorada na América. - Eu não a culpo. Mas agora que sabe de tudo, você me perdoa, não? -
Mas, Sr. Westman, que absurdo. Não há nada para perdoar. -
No entanto, eu senti que quando pensou que eu tinha outra namorada na América,
você se abalou um pouco com isso, caso contrário não teria ficado
zangada. Diga, Louise! - ele repetiu a palavra, pronunciando-a
vagarosamente. - Louise... -
Sim? -
Você não acha... talvez... depois de algum tempo, depois que me
conhecer melhor... -
Sim? - Você não acha... talvez... pode ser... você poderia interessar-se um
pouco mais por mim? Silêncio. Ele segurou as mãos dela enquanto ela virava seu rosto. -
Você poderia? -
Talvez... No
dia seguinte Jimmie pediu e obteve permissão para dar outro passeio e
que Louise o acompanhasse, o que era uma necessidade devido as tonturas
que poderia sentir de repente. O médico duvidou no início e
gentilmente ofereceu mandar um ordenança com ele, ou algum soldado
convalescente que não estivesse sujeito a "indisposições",
mas a consternação de Jimmie foi tão evidente que o médico, por ser
muito humano e bom, deu a permissão desejada. Mas, em seguida,
preocupou Jimmie ao demonstrar-lhe uma ansiedade desnecessária no caso,
através de um suposto medo de que as "indisposições"
pudessem ser resultantes de um problema cardíaco. Jimmie
e Louise haviam estudado o mapa de Paris e descobriram que existe
realmente uma Rue de la Ex, mas isto não provava nada, pois ele podia
ter ouvido esse nome em algum lugar, e a mente subjectiva, com sua memória
prodigiosa, podia ter conservado esse nome particular dentre todas as
coisas com que está carregada, e reservou sua imaginação que, pelo
acidente, foi abalada pela comoção. Jimmie sabia, ou achava que sabia,
muito sobre mente subjectiva e cuidadosamente explicou o assunto a
Louise enquanto andavam, mas ficou na dúvida se a sua linguagem técnica
esclareceu alguma coisa a ela. Mesmo que tenha compreendido, notava-se
que seu interesse pelos mistérios da mente subjectiva não era
particularmente grande. Diante de uma determinada casa na
Rue de la Ex, eles pararam. A casa estava lá mas isto não provava
nada. A porta de entrada estava numa passagem em arco que levava a um pátio
interno. Eles tocaram a campainha. CAPÍTULO V O IRMÃO MAIOR EM PESSOA
Jimmie
e Louise esperaram o abrir da porta com igual temor. Louise não
acreditava em uma única palavra daquela maravilhosa história que
Jimmie lhe havia contado, embora estivesse firmemente convencida que ele
acreditava nisso. Jimmie, por sua vez, com sua intensa memória da
aventura, estava certo de que aquilo tudo realmente tinha acontecido,
mas estava temeroso do resultado dessa prova física, concreta, e estava
pensando que desculpa daria se, como receava, a casa fosse habitada por
estranhos. Louise
esperava que a porta fosse aberta por um porteiro comum e que a desilusão
inevitável aconteceria. Estava tentando encontrar uma solução para
ajudar Jimmie a enfrentar esse desapontamento. Jimmie abrigava os mesmos
temores e buscava também uma razão admissível para justificar a
Louise o engano de sua visão tão peculiar. Encontrava-se nesta difícil
situação quando a porta se abriu. Diante
deles, com um sorriso de boas vindas e levemente irónico, como se, de
alguma forma tivesse adivinhado suas perplexidades, estava o homem dos
seus sonhos, idêntico em todos os detalhes do vestuário e da maneira
de ser com aquele estranho e poderoso personagem que se tornara tão
familiar a ele na chamada Terra dos Mortos que Vivem, sob o nome de
“Irmão Maior”. Aceitando
seu convite cordial, eles entraram em uma biblioteca bem mobilada e
sentaram-se. Só aí Jimmie conseguiu recuperar-se suficientemente de
seu espanto, para poder fazer as apresentações. Com algum embaraço,
ele apresentou o Sr. Campion para a Sra. Louise Clayton, com a breve
declaração de que ela era a enfermeira que havia tomado conta dele
durante sua recuperação. Acrescentou que havia narrado a ela sua
grande aventura e insistido para que o acompanhasse nesta expedição. -
Estou muito contente que você tenha feito isto, tenente Westman, pois a
Sra. Clayton foi escolhida para ser sua enfermeira por diversas razões,
sendo que uma delas é que ela é uma alma bastante avançada e foi
determinado que o trabalho de reintegração de seu corpo vital seria
feito com maior facilidade e mais rapidamente com a ajuda dela do que
através de outra enfermeira disponível. Como vê Sra. Clayton conheço-a
bem, embora nunca nos tenhamos visto antes. Louise
respondeu de forma educada e um pouco formalmente, mas não foi capaz de
esconder sua incredulidade à afirmação feita pelo Sr. Campion. -
Não obstante - continuou o Sr. Campion como se estivesse respondendo a
alguma objecção - você foi escolhida e a sabedoria da escolha está
aparente no resultado. Você
tem uma aura forte e bem desenvolvida, e suas vibrações são
harmoniosas devido a algumas combinações estelares das quais você não
está crente, foi uma grande ajuda quando Jimmie (não vou
chamá-lo mais tenente) estava recuperando a consciência. Você deve
lembrar-se que quando se debruçou sobre ele para tentar ouvir o que ele
estava murmurando, ele perguntou-lhe por que você não brilhava e onde
estava sua aura e depois, imediatamente desculpou-se afirmando que você
brilhava. Louise
estava perplexa. Ninguém estava presente para ouvir aquela conversa
sussurrada. A enfermeira-chefe não havia saído do hospital, portanto,
não podia ter procurado este homem e contado a ele. Além do mais, ela
nada havia contado à enfermeira-chefe nem falado sobre isto com alguém
mais. Ela tinha a certeza que Jimmie não saíra do hospital excepto a
única vez na qual quase brigaram. Será que ele escrevera a esse homem
ou esse homem tinha o poder de ler a mente? Se Jimmie tivesse escrito,
ele a estaria enganando. Se o homem lesse a mente, ele era uma pessoa
perigosa e astuta. Ela não sabia o que dizer, portanto, ficou em silêncio,
mas seu olhar percorreu a sala. O
Sr. Campion disse: - Sra. Clayton, tenho a certeza que irá perdoar-me se eu tentar
tranquilizar sua mente, e, em consequência, a de Jimmie também. Para
conseguir isto, é necessário que eu faça algumas afirmações que não
poderão ser provadas agora
a você, pois essas explicações exigiriam muito tempo. Portanto, vou
pedir-lhe que me ouça pacientemente e reserve seu julgamento para mais
tarde. -
Para começar, devo assegurar-lhe que você não é vítima de nenhum
plano preparado, e que Jimmie não me escreveu, nem a enfermeira-chefe
tomou conhecimento do que você presenciou. Louise
olhou para o alto, rapidamente, seus olhos revelando uma grande admiração. -
Sua surpresa ao encontrar uma pessoa que pode ler a mente sem as
armadilhas comuns de semelhante profissão, é perfeitamente natural. Aqui
não existe nenhuma parafernália comum a estes profissionais de
maravilhas, e você procura em vão por crânios e corujas empalhadas e
cortinas escuras. Eu posso assegurar-lhe que mesmo que a leitura da
mente não seja nada difícil para um ocultista treinado, eu não estava
lendo sua mente quando me referi às suas poucas palavras com Jimmie no
momento em que ele recuperou a consciência. Sei o que disse na ocasião
porque eu estava lá... Louise
olhou novamente para o alto com um gesto de surpresa e ia começar a
falar, mas lembrou-se do pedido do Irmão Maior. -
Eu estava lá, embora você não me tenha visto. Segui-a quando foi
apresentar seu relatório à enfermeira-chefe. Se você se recorda, ela
estava sentada ante uma escrivaninha escrevendo e quando dirigiu-se a
ela, ambas estavam sozinhas no escritório. Ela não se virou, mas
simplesmente parou de escrever enquanto você falava. Logo em seguida
respondeu: “Não sei, filha. Não creio que exista semelhante coisa.”
Também ao sair do escritório, você encontrou dois ordenanças que
traziam um ferido em uma maca e, naquele momento, um deles tropeçou.
Você pensou que ele ia deixar o doente cair e sobressaltou-se e deu um
passo para a frente dizendo: “Cuidado!” O Irmão Maior sorriu para ela. - Acho que isentei nosso amigo aqui, pois ele não podia ter-me escrito
estas coisas. Louise
fez um ligeiro gesto, muito gracioso, de capitulação. -
E agora as razões que sustentam todas estas coisas estranhas. A
raça humana é feita de uma multidão de espíritos individuais que estão
evoluindo ou aprendendo através de repetidos renascimentos em corpos físicos,
no plano físico, onde aprendem obedecer as grandes leis de nosso Pai do
céu, exactamente como as crianças aprendem suas lições diariamente
na escola. Neste grande esquema de evolução, estamos sujeitos à operação
de duas grandes leis: primeiro, a Lei do Renascimento, que nos traz de
volta ao mundo físico concreto, frequentemente em corpos e ambientes
melhorados constantemente, embora devagar. Segundo, a Lei de Consequência,
que diz que devemos sofrer os resultados naturais de nossos erros,
frequentemente chamados de pecados, embora, algumas vezes, intervenham
muitas vidas entre os erros e seus resultados. Para
que este período de nascimento, morte, aprendizagem e sofrimento possa
ser reduzido, a maior ajuda possível é dada à raça por grandes
hostes de seres espirituais que já passaram por escolas similares.
Existem ocasiões (da mesma forma que existem exames nas escolas) em que
é alcançado um ponto crítico na evolução, e a raça é, podemos
dizer, examinada ou testada para avaliar-se quais as entidades dignas
de promoção. Esta grande guerra é o grande ponto
crítico jamais alcançado na
evolução humana, e a necessidade de ajuda e instrução para a raça
é maior do que antes. A ajuda pode ser dada, em alguns aspectos,
mais efectivamente por membros avançados da mesma raça, por essa razão,
muitos indivíduos estão sendo preparados e estimulados, agora, para
que sejam capazes de dar essa assistência e esses ensinamentos. A
necessidade é tremenda - muito maior do que você e Jimmie possam
imaginar, e foi por isso que Jimmie foi mandado de volta à vida física,
caso contrário, ele teria permanecido do outro lado. Foi por esta
razão que você foi trazida aqui com ele, pois não deve pensar que é
hábito dos ocultistas fazer alarde de seus poderes simplesmente para entreter
pessoas. Você
e Jimmie são almas adiantadas (não estou dizendo isto para elogiar
nenhum dos dois), e em
poucas vidas poderão alcançar, naturalmente, o ponto que se espera
alcançarão agora nesta vida, se quiserem trabalhar. Ser-lhes-á
dada ajuda, mas devem recordar sempre as palavras do Mestre que “A
quem muito é dado, muito será exigido”. Portanto, a
decisão de comprometer-se com o trabalho deve ser puramente voluntária
e não assumida de maneira leviana, pois da mesma forma que o benefício
é grande se recebemos este ensinamento condignamente, o perigo também
é grande se o recebemos indignamente. Jimmie
e Louise olharam-se, ambos compreendendo a alusão àquela linda frase
no serviço da comunhão. Jimmie disse: - O senhor referiu-se antes ao grande trabalho a ser feito, mas não disse
qual seria. -
Não, por algum tempo não tínhamos a certeza se seu corpo etérico
poderia ser reintegrado a tempo, e quando isto foi conseguido não houve
oportunidade para instruí-lo. Por
mais de uma hora o Sr. Campion continuou discorrendo sobre os diferentes planos da existência e os
diferentes corpos correspondentes a esses planos, assinalando o trabalho
dos Auxiliares Invisíveis tanto com os vivos quanto com os mortos.
Louise e Jimmie escutavam com admiração que foi gradualmente
transformando-se em reverência quando o grande Plano lhes foi
apresentado. Nunca haviam escutado nada parecido, mas, ao mesmo tempo
tudo parecia-lhes muito familiar, como se já o conhecessem de alguma
maneira. A medida que o Sr. Campion continuava e mostrava como tudo se
ajustava às Escrituras e principalmente às palavras proferidas por
Cristo ao explicar as parábolas e projectar luz sobre as passagens
ocultas e obscuras, Louise começou a perceber que todas as suas dúvidas
desvaneciam-se e sentiu-se envergonhada por tê-las fomentado. Não
pensava mais em “provas”. Não havia necessidade de provas. Nenhum
homem, por maior que fosse, poderia ter inventado um plano como esse.
Nem mesmo o Sr. Campion, leitor da mente e ocultista, ou o que quer que
ele fosse, poderia ter inventado um plano tão complicado e tão
completo. Ele não precisava assegurar-lhe que era verdadeiro. Ela sabia,
embora não percebesse como sabia. Todo o plano tinha a estampa e a assinatura da própria
Divindade. Jimmie
também, tinha escutado absorto. As coisas que o Sr. Campion lhes
transmitia, explicavam algumas das condições aparentes que ele tinha
observado durante sua breve permanência no outro lado e, quando foram
detalhadas a teoria e a prática de alcançar a liberdade nos outros
planos da existência, ele começou a compreender que não é realmente
necessário morrer para se provar a imortalidade. -
Mas por que, então - ele perguntou - se há todo este trabalho para ser
feito no outro lado, por que tantas dificuldades e cuidados para trazer-me
de volta? -
Porque a necessidade maior está neste lado do véu para aqueles que
conhecem o facto da imortalidade, que visitaram a outra região e
retomaram, que desejam e têm capacidade para propagar seu conhecimento;
que podem confortar os moribundos e, em especial,
aqueles que foram deixados para trás. A necessidade é para
aqueles que podem dizer, “Eu sei”, ao mesmo tempo que dizem “Eu
acredito”. -
Então, se eu persistir nos exercícios que me recomendou,
acredita que eu possa desenvolver minha visão espiritual? -
Sem dúvida que pode, embora eu não o deva influenciar de nenhuma
maneira, uma vez que a escolha deve ser de sua própria vontade, sabe o
quanto eu quero encontrá-lo novamente como um voluntário no Grande Exército
no qual você está alistado. Jimmie
compreendeu que vivia um momento muito sério. Ele queria ajudar. Seu
coração encheu-se de compaixão por aqueles que estão sofrendo,
morrendo e ao mesmo tempo... ao mesmo tempo... aquela coisa de “viver
a vida”... será que ele poderia fazer isso? Quando voltasse ao seu
regimento e à sua companhia... será que ele poderia conservar esse
sentimento? Então surgiu uma dúvida. O Sr. Campion tinha dito, ou como
se lhe houvesse dito, que no sono quase todos auxiliam, mais ou menos,
sendo assim, por que ele não poderia fazer o quanto lhe fosse possível
durante as horas de vigília e esperar ser
um auxiliar invisível inconsciente durante o sono? O
Sr. Campion sentou-se, observando-os. Louise estava olhando para ele,
mas não o estava vendo. Seus olhos tinham aquela expressão de “olhar
distante”, que demonstrava que sua mente estava ocupada com outras
coisas, o que ficou logo evidente quando ela disse: -
Por favor Sr. Campion, se puder, diga-me por que o trabalhador encarnado,
que tem a liberdade dos outros planos, é muito mais valioso que o
trabalhador desencarnado ou o trabalhador que não pode conscientemente
visitar os mundos superiores. Isso não tem algo a ver com a força de
vontade? -
Você absorveu muito bem a ideia, Sra. Clayton. O trabalhador encarnado tem um poder que o mesmo homem que
perdeu o seu corpo pela morte não tem. A explicação é longa,
mas você chegou bem perto ao falar de vontade. O trabalhador do outro
lado, está lidando principalmente com aqueles que acabaram de “passar”,
cujo dia na escola da vida física terminou e cujo período de revisão
dessa vida física começou. O
trabalhador deste lado do véu, contudo, pode ser capaz de influenciar a
vida de muitos, evitando que façam coisas que caso contrário,
certamente fariam e evitando-lhe muita dor no purgatório ao deixarem de
praticar acções que lhes acarretariam uma dívida de destino. Jimmie
e Louise retomaram ao hospital muito quietos. Cada um estava ocupado
pensando, e suas curtas e ocasionais palavras proferidas eram para rever
algumas coisas que o Sr. Campion havia dito. Um
pouco antes de chegarem ao grande portão, Louise disse: -
Jimmie, tenho uma confissão a fazer. -
O que é? -
Você sabe que antes de entrarmos naquela casa eu realmente achava que
sua aventura tinha sido fruto de sua imaginação. Acreditei que era
apenas um daqueles sonhos provenientes da conturbação que sofreu. -
Eu temia isso. -
Mas não precisa temer mais. Acredito em todas as palavras, agora. O
prazer que Jimmie demonstrou plenamente em seu rosto e que surgiu da
satisfação de ter sua história totalmente acreditada, fez com que o
velho porteiro francês tirasse algumas conclusões bastante erróneas -
a julgar pelo sorriso em seu velho rosto enrugado - quando Jimmie e
Louise entraram no hospital, a não ser, como também é possível, que
não tenhamos ouvido toda a conversa. Reunido
novamente a sua companhia, e depois de calorosos cumprimentos e
congratulações por ter escapado, Jimmie dedicou-se a constante
tarefa de exercícios e treinamentos que ocuparam uma parte considerável
de seu tempo, embora a companhia estivesse agora em uma “posição
de descanso” atrás das linhas. A
rotina, os afazeres bem conhecidos da vida militar, o constante contacto
com seus homens e seus companheiros oficiais, por todos os quais era
muito apreciado, tendiam a esmorecer o seu entusiasmo, e
pensamentos prosaicos, comuns, usurpavam o lugar dos ideais elevados
e das nobres aspirações que tanto o haviam impressionado. O “esplendor” de sua viagem à Terra dos Mortos que
Vivem começou a apagar-se um pouco. Deveres imediatos urgentes -
deveres inquestionáveis e exigentes - absorviam seu tempo. Quando os
exercícios e as outras formas de treinamento acabavam, ele estava
cansado e só com vontade de juntar-se ao grupo em uma visita a “Y” [3]
ou outra diversão. Tentava sempre tranquilizar a sua consciência com a
promessa que logo faria algo sério, assim que estivesse bem descansado. Enquanto
isto, como havia prometido, continuou fazendo o simples exercício que o
Sr. Campion havia recomendado e que praticava todas as noites com a
regularidade de um relógio, embora não pudesse ver, para salvar sua
vida, como uma coisa tão ridiculamente elementar podia ter um efeito tão
grande sobre ele. Era evidente, pensou, que o Sr. Campion estava errado,
se não, por que este exercício não era amplamente divulgado? Por que
alguns dos ministros das diversas igrejas não o conheciam e o ensinavam?
Ele sabia que algumas críticas a alguns ministros tinham fundamento,
mas sabia que, considerados como um todo excluindo uma minoria, os
ministros eram honestos, conscientes e faziam o melhor de acordo com sua
luz. Por que, então, não conheciam isto se era realmente certo? Uma
tarde, estava sentado escrevendo em um canto do “y”. Não havia
muitos homens lá, mas perto dele um idoso pastor evangélico estava
cuidando de um pequeno grupo de soldados que evidentemente estavam um
pouco indiferentes para assistir aos serviços. Estes homens tinham
estado em combate. Tinham visto seus companheiros morrerem - serem
feridos - explodirem - intoxicados, respirando com dificuldade, com pulmões
sangrando, ansiosos por um pouco de ar que não conseguiram obter. Estes
homens tinham visto seus amigos jovens, corajosos, na plenitude da vida,
morrer ante eles repentinamente e o efeito dessa experiência produzia
neles uma atitude mais tolerante, mais profunda, mais elevada, mas
sempre uma atitude diferente em relação ao grande enigma da vida. O pastor tinha acabado de chegar e estava cheio de cuidados para salvar as
almas destes pobres e perdidos errantes, para salvar os pecaminosos da
fogueira eterna. Precisavam vir e ser salvos. Precisavam ser convertidos.
Precisavam aceitar Cristo ou queimariam sempre no inferno como filhos do
demónio. Precisavam converter-se e encher-se da graça antes que fosse
tarde, pois o insondável poço estava esperando tragá-los com seu fogo
eterno e... -
Oh, que se dane o diabo! Esta interrupção de uma nova voz
com uma nota evidente de impaciência chamou a atenção de Jimmie e ele
olhou com interesse para quem havia falado. CAPÍTULO VI AS IDÉIAS DE UM SOLDADO SOBRE RELIGIÃO O
tom de voz da pessoa que falou por último, atraiu a atenção de nosso
amigo Jimmie e ele ouviu interessado. -
O quê... o quê... o que quer dizer? - gaguejou o horrorizado pastor. -
Exactamente isto. Que se dane o fogo eterno. Não é lógico, não está
nas escrituras, não é cristão, e não está na Bíblia. Além disso,
um Deus que age como você diz que Ele age, seria um demónio e não um
Deus. Era
um soldado alto e magro que falava. O intervalo de silêncio causado
pela estupefacção do horrorizado pastor, que não podia acreditar no
que tinha ouvido e estava mudo de surpresa, deu a Jimmie a oportunidade
de olhar rapidamente o grupo antes do soldado continuar. -
Quem é Deus, então? -
Quem é Deus! Quem é Deus! Oh, meu querido irmão! Será que você pode
ser tão ignorante para me perguntar isso? -
Tenho certeza que sim! Você parece saber muito sobre Ele, pelo menos
você dá essa impressão. Agora diga-me somente quem é Ele e o que faz? -
Quem é Ele? Oh, não, não! Com uma vara de ferro ele rege o mundo e
poderia quebrá-lo em pedaços como um vaso de barro. Ele fez você e
seu único filho morreu por você para salvá-lo da condenação eterna,
e você ainda pergunta, quem é Ele? -
Agora escuta-me, pastor. Eu não quero ser indelicado e não quero ser
irreverente, mas passei por aquele inferno lá e vi meu companheiro, o
melhor rapaz que jamais conheci, e o homem mais corajoso - aqui ele
olhou ao redor do pequeno círculo como se quisesse desafiar alguém a
negar o facto - o homem mais corajoso que já viveu. Vi-o ser atingido
por uma granada que lhe arrancou as duas pernas, e ele morreu lá mesmo,
nos meus braços, sem ajuda possível. Vi-o morrer e quando isto
terminar, se eu estiver vivo, devo relatar à sua mulher e a sua mãe
como ele morreu. E você diz que Deus fez o mundo, rege o mundo e Ele
permite coisas como esta guerra? Por que Ele não evitou isto? Se Ele é
tão grande e santo como você diz, por que Ele não deteve os homens
que começaram esta coisa? -
Meu pobre irmão ignorante. Deus não permitiu esta guerra. Foi o diabo,
o Grande adversário, que trouxe isto. -
Então Deus não rege o mundo! Ele faz-nos, mas fez um trabalho tão
ruim que teve que enviar Seu único Filho para morrer e nos salvar, e
mesmo assim Ele só salva uns poucos, você próprio disse que a grande
maioria vai para o inferno, ouvi você dizer isto quando falava do
caminho fácil que leva à destruição. -
Oh, mas meu irmão, isto tudo está na Bíblia. Você está negando, a
Palavra de Deus. -
Eu não sei o que estou negando, mas não acredito que a Bíblia diga
isto. Acredito que você lê a Bíblia e procura tirar dela aquilo que
você quer tirar e não aquilo que a Bíblia quer dar. Agora, escuta-me
por um momento e diga-me se estou cometendo um erro. Deus é todo
poderoso. Não é? -
Sim, sim, é. Sem dúvida e... -
Então espere um momento, pastor, se você me permitir, é minha vez
agora e estou tentando chegar à verdade, se puder. Agora, começando
novamente, Deus é todo poderoso, isto quer dizer que Ele é capaz de
fazer tudo? -
Sim, sem dúvida. -
Ouvi um ministro dizer certa vez, que Ele é omnipotente? -
Sim. -
Isto quer dizer que Ele é todo-poderoso mas quer dizer muito mais, também. -
Realmente! Você é um advogado hábil! - foi a exclamação de admiração
de outro soldado do grupo. -
Bem, estudei muito advocacia e também pratiquei um pouco, mas nunca me
dediquei a este tipo de debate. -
Agora meu irmão, deixe-me dar-lhe alguns tratados para ler. -
Não, pastor, não quero ler nenhum tratado. Eles todos fogem das
grandes perguntas. Você começou este assunto e espero que continue a
agir como um homem e não se perturbe porque não estou tentando
prejudicar nenhuma religião. Estou
real e honestamente procurando luz, mas quero luz verdadeira... luz
do sol... não o seu tipo de luz de velas de sebo. Quero
chegar à verdade. Estive no inferno, lá, atrás das trincheiras e
caminhei, face a face com a morte. O mesmo aconteceu a todos estes
rapazes aqui, e estamos procurando a verdade... factos... a verdade
verdadeira, não qualquer imitação. Estou aqui agora para dizer-lhe
pastor, que minha felicidade eterna vale tanto para mim quanto a sua
vale para você, e não estou tentando chocá-lo, quero a verdade, o
mesmo querem todos estes rapazes. -
Mas, irmão, eu já lhe disse. Aceite Cristo, vista a armadura do
Evangelho e poderá resistir a todas as astúcias do inimigo. -
Lá vem você, Pastor, fugindo do assunto. As perguntas são: Quem é
Deus, por que Ele nos fez, por que Ele permitiu esta guerra? -
Oh, mas você está errado. Ele não permitiu. É tudo contra Sua
vontade... -
Contra Sua vontade e Ele é omnipotente? Não pastor, tente de novo. -
Mas eu lhe digo, irmão, venha humildemente ao trono da graça. Aceite
Cristo com a mão direita da amizade e mesmo agora poderá ser salvo. O
soldado alto olhou para o pastor por um momento, deu um suspiro e foi-se
embora. -
Sempre termina assim - ele disse para outros do grupo - jamais conheci
um pastor que pudesse sustentar até o fim uma verdadeira discussão com
alguém que quisesse conhecer a verdade, se é que ela existe. Eles
sempre se esquivam e usam rodeios. Até logo, pastor - ele disse
amavelmente ao retirar-se do lugar. Jimmie
rapidamente dobrou sua carta, colocou-a em seu bolso e seguiu-o. Esta
talvez fosse uma oportunidade para começar o grande trabalho. O Irmão
Maior havia dito que a tarefa não lhe seria imposta, mas ser-lhe-iam dadas oportunidades para trabalhar se assim o desejasse.
Talvez essa fosse uma. Ele alcançou o homem que fez continência
tranquilamente, enquanto procurava acertar seus passos ao dele. -
Ouvi parte de sua conversa com o pastor - disse Jimmie - e quero
perguntar-lhe se permite, se era a expressão de seu real desejo quando
disse que queria conhecer a verdade. -
Esteja seguro, meu tenente, que desejava, mas nunca consigo que um
ministro responda as perguntas que faço e, mesmo assim, eu as acho razoáveis. -
Acredito que posso responder suas perguntas, se você me deixar tomar o
lugar do pastor e, além disso, creio que nós vamos gostar da discussão. -
Está bem senhor. O
tom foi de resignação. Jimmie sentiu a situação. O soldado alto
havia dito a verdade ao dizer que queria luz, mas não estava apreciando
a ideia de que um jovem segundo-tenente pudesse ocupar os momentos
livres de um soldado fatigado com uma discussão inútil sobre um
assunto do qual devia ser totalmente ignorante. Ele (o soldado) tinha
frequentemente ido a procura de luz com aqueles chamados divulgadores da
luz e, em troca, só havia recebido... escuridão. Para este
segundo-tenente presumir ter o que nenhum dos ministros tinha, era como
um aluno da escola primária oferecer-se a ensinar a um major general os
rudimentos da estratégia. Contudo, o soldado alto possuía boa índole
e decidiu suportar esse assunto por alguns minutos para ver o que o
tenente teria a dizer. Jimmie
disse depois de um curto silêncio constrangido: -
Sabe, senti pena daquele pobre pastor, você dirigiu-lhe algumas
perguntas difíceis. O
soldado alto reprimiu o riso: -
Elas o deixaram bem atrapalhado, não? -
Sim, deixaram. No entanto, as respostas são muito simples. -
Gostaria que você me desse essas respostas. -
Bem, faça suas perguntas. -
Existe uma vida depois da morte? -
Sim. -
Como você sabe? -
Porque estive lá e voltei. -
Caramba! Você ganhou esta, talvez. Mas, aqui vai outra: Como sabe que
esteve lá e voltou? -
Já esperava essa pergunta. Sei que estive lá e voltei porque conheci e
falei lá com pessoas que conheci na vida terrena, e também porque
conheci e falei lá com um homem que não conhecia antes, mas que não
havia abandonado ainda o seu corpo físico e, ao seguir suas instruções,
encontrei-o mais tarde em seu corpo físico. Porém, reconheço
plenamente que o que é prova para mim, não o é para você, pois você
só tem minha palavra e mesmo que me conhecesse bem e não duvidasse do
que eu disse, mesmo assim existe uma grande margem de erro de julgamento,
de modo que, no sentido exacto da palavra, não pode haver “prova”
para você a não ser através de sua própria experiência. Mas pode
haver uma prova secundária, uma evidência circunstancial, como você
pode dizer, que seria uma “prova” dez vezes mais convincente do que
qualquer coisa que eu possa afirmar, ainda que não duvidasse de minha
palavra. -
O que você quer dizer exactamente? -
Quero dizer isto: desde sua infância, disseram-lhe que há um Deus, que
Ele é sabedoria, conhecimento, amor, etc. Você vê certos factos no
mundo ao seu redor que acha difícil conciliar com tal ideia de Deus.
Você vê injustiça, miséria, guerra, dor, tristeza, separações;
constatamos que alguns têm sorte a vida inteira e alguns são infelizes
sem que tenham cometido faltas. Você vê todas essas coisas e,
naturalmente, quer saber por que elas existem em um mundo que foi criado
por um Ser cujo nome é amor. Uma vez que estas coisas existem, e uma
vez que não são evidências de amor, Você argumenta que Deus não
existe de maneira nenhuma, ou que lhe faltam alguns dos atributos que
lhe são atribuídos ou que existe um Poder Rival de obscuridade, de força
parecida, senão igual à força poderosa de Deus. Não é assim? -
É exactamente esse o caso, tenente. -
Você pergunta as razões por que estas coisas são permitidas no mundo,
e eles respondem com subterfúgios e chavões, que demonstram que os
homens que devem conhecer melhor as coisas de Deus, são realmente tão
ignorantes quanto você, mas nem sempre suficientemente honestos para
admitir isso. Eles acreditam em certas coisas que vos parecem sem evidência
suficiente e querem que acredite exactamente no que eles acreditam, mas
são totalmente incapazes de responder qualquer de suas perguntas, e até
se ressentem quando as faz. Contudo, todo problema torna-se como a luz
do dia quando percebemos que todos nós somos espíritos em evolução,
partes de Deus exactamente como diz a Bíblia, quando sentimos que
estamos crescendo em experiência, conhecimento e poder através das
muitas vidas, uma após outra, que vivemos na terra. Estamos sujeitos a
duas grandes leis: primeiro, a Lei do Renascimento, que nos traz várias
vezes de volta ao plano físico; segundo, a Lei de Consequência que
decreta que colheremos exactamente o que semeamos repetindo o que nos
diz a Bíblia. Entre nossas vidas terrenas, estamos em outro estado de
consciência, no qual a experiência da vida passada é incorporada ao
nosso espírito como consciência. O pecado é o resultado da ignorância
das leis de Deus, e o sofrimento resultante, com o tempo, ensina-nos
como obedecer essas leis, da mesma maneira que uma criança que tenha
queimado seu dedo aprende a evitar uma lareira acesa. Porém, alguns são
afortunados porque progrediram mais que outros no caminho da evolução,
aprenderam mais lições e estão em condições de viver mais de acordo
com as leis de Deus. Outros são infelizes porque em vidas passadas
agiram mal e contraíram dívidas de destino, ou melhor, não
conseguiram progredir tanto no caminho da evolução porque não pagaram
todos os seus débitos, pois ninguém, em todo o universo de Deus, vem
ao mundo para sofrer por algo que não mereceu devido às suas acções
no passado. No entanto, é conveniente salientar que o passado abarca
centenas de vidas. No grande esquema da evolução humana existem
grandes momentos de mudança, nos quais uma ajuda extra é fornecida. Esta
guerra é um desses momentos e permitiram que isso acontecesse porque a
raça estava ficando atolada no materialismo e era preciso um grande
choque para que o pensamento da humanidade se voltasse para a única
coisa real no mundo: o estudo das leis de Deus e a determinação de
obedecê-las. As leis de Deus nunca foram tão bem resumidas como
o foram por Cristo, quando Ele disse: “Amai a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a vós mesmos.” Estou sendo claro nestas
explicações? -
Sim..., mas se eu vivi antes, por que não me lembro? -
Bem, as causas que operam para evitar que nos lembremos de nossas vidas
passadas são complexas, e levaria muito tempo para explicá-las. Mas o
facto é que estamos diante de uma providência misericordiosa da
natureza, pois
se nós lembrássemos de todas as nossas vidas passadas, não poderíamos
avançar no caminho, pois os antigos amores e ódios do passado
levar-nos-iam à acções erradas. Um menino na escola usa
uma lousa até concluir os primeiros graus, quando já não comete erros
de contas. Mais tarde, ele descarta a lousa e usa lápis e papel, em
seguida usa a tinta. O mesmo acontece connosco. Quando aprendemos a
viver correctamente não cometendo tantos erros, quando
estivermos libertos das paixões, dos sentimentos de ódio e vingança,
recordaremos todas as nossas vidas passadas. -
Parece correcto, mas não posso entender como não me lembro de ter
vivido antes. -
Pense sobre o que lhe disse e talvez possa entender. Jimmie
achou melhor parar a explicação por aí e deixou o rapaz ir embora.
Sentia-se decepcionado, também, pois sua incapacidade em transmitir um
assunto tão claro, era algo desalentador para seu entusiasmo. Não
tinha percebido que cada um tem suas limitações, e que as limitações
de um estão a uma distância diferente do centro das limitações de
outro. Um grande círculo pode conter um menor e compreendê-lo, pois
percebe que há mais espaços além desse círculo pequeno, mas o círculo
menor não pode compreender o maior até que tenha aprendido a
raciocinar através da existência de círculos ainda menores e que pode
haver algo mais além de suas limitações. É fácil para nós, vermos
as limitações dos outros, mas difícil ver as nossas próprias, até
que aprendamos primeiro a tirar a trave que está em nosso olho antes de
tentar remover o cisco que está no de nosso irmão. E
agora começou para Jimmie uma vida na qual encontrava pouco tempo para
levar avante esse trabalho que tanto desejava realizar. Seu regimento
foi enviado de volta às trincheiras, a vida extenuante e a pouca
privacidade e calma de que dispunha, impediam que avançasse em seu próprio
desenvolvimento. Contudo, ele conseguiu executar a maior parte dos
simples exercícios que o Sr. Campion lhe havia recomendado e
conseguiu pronunciar, de vez em quando, algumas palavras sobre a vida
superior quando lhe surgia uma oportunidade. Mas o excitamento da luta,
seu regimento estava agregado a um contingente do exército britânico e
juntos estavam contendo o avanço alemão na primavera de 1918, fazia
com que sua actuação ficasse quase que totalmente voltada para os
assuntos militares. Porém, o seu caso estava em mãos mais poderosas
que as suas e um dia, em um ataque para retomar uma trincheira, ele
recebeu uma bala no braço direito e foi mandado mais uma vez para um
hospital, o que o deixou furioso pela sua falta de sorte. Neste
hospital não havia nenhuma Louise e mal havia curado seu ferimento,
recebeu ordens de embarcar imediatamente para a América para os serviços
de instrução em um dos grandes campos de treinamento. Tentou, em vão,
conseguir uma licença que o permitisse procurar Louise, mas a situação
era urgente e as ordens eram peremptórias. Escreveu uma carta
desesperada para o Sr. Campion, mas não obteve nenhuma resposta, e foi
forçado a embarcar tendo a seu cargo um pequeno contingente de homens
feridos, sem realizar o trabalho que almejava. Deixou na França Louise
e o Sr. Campion, seus camaradas ainda lutando com unhas e dentes para
conter a invasão cinza, e, como declarava amargamente, sentindo-se em
perfeitas condições físicas, ser forçado a voltar a seu país antes
de terem vencido a guerra. Oh!
a amargura daquele embarque, deixando para trás, na França, a Grande
Guerra, na qual desejava continuar; a moça que amava e o homem a quem
procurava como guia no grande trabalho que debilmente havia vislumbrado!
Deixou para trás todas as grandes actividades que haviam entrado em sua
vida e a haviam mudado tão completamente; deixava tudo para quê? Por
uma segurança que desprezava, por um trabalho que sentia que outros
poderiam fazer melhor que ele, por uma vida de facilidades mal recebida
e, acima de tudo, por aquele amargo sentimento de separação daqueles
que desejava ter ao seu lado. Jimmie
embarcou deprimido por um sentimento de injustiça e de calamidade. Seu
braço deu-lhe bastante trabalho, pois precisava tê-lo a maior parte do
tempo em uma tipóia, e constatava que, se estivesse nas trincheiras,
mal se daria conta desse contratempo e da dor que ele causava. Mas
agora, pequenas coisas o aborreciam e as ninharias pareciam-lhe
importantes. Tornou-se, não propriamente mal humorado, pois Jimmie
possuía uma natureza alegre, mas menos risonho e animado. Passava o mínimo
tempo possível fora de sua cabine e dava a impressão de estar sofrendo
mais da comoção da explosão do que do ferimento em seu braço. Como
essa comoção era considerada muito especial e actua de mil maneiras
diferentes, suas pequenas fraquezas não suscitavam comentários e, com
humor, contemporizava-se com elas na medida do possível. O
barco já navegava há dois dias e duas noites; já era tarde da noite
do terceiro dia, bem depois do escurecer, e ele encontrava-se sozinho
debruçado no corrimão do convés olhando pensativamente para o mar. A
lua estava surgindo, uma luz que começava a aparecer, dando pouca luz
para não ofuscar a beleza das estrelas. A brisa estava soprando
suavemente vinda do sul, e o grande navio navegava através da escuridão
sem que nenhuma luz lhe indicasse o caminho, balançava lenta e
brandamente, levantando ligeiras ondas ao avançar com dignidade em seu
movimento, como se, de algum modo, sentisse sua existência separada e o
valor do precioso carregamento humano que abrigava. Jimmie
debruçava-se respirando profundamente o ar salgado que era tão limpo e
fresco em comparação à atmosfera da Terra-de-Ninguém, carregada pelo
ódio humano e pelos destroços da guerra humana, e observava cada longa
onda que batia lentamente no costado do navio, levantando-o tão
facilmente, tão tranquilamente, como se levantar mil toneladas fosse
uma simples brincadeira. A demonstração de tão grande poder foi
trazendo à mente de Jimmie, dilacerada por tristeza e desilusão, um
sentimento de calma e de descanso e quando olhou do oceano para o céu e
viu as grandes estrelas brilhando quietamente acima dele, como haviam
brilhado sobre Colombo e os marinheiros da Armada Espanhola, como haviam
brilhado sobre Roma e Cartago, sobre Babilónia e Baalbec, sobre os
construtores das pirâmides, sobre os exércitos e a armada da antiga
Atlântida, sentiu nascer dentro de si uma leve percepção daquele
grande Poder, cujo Ser eles testemunhavam e cujo propósito sublime não
podia ser desviado nem por um fio de cabelo, nem mesmo por uma grande
manifestação de todas as pessoas do globo. Sua
mente retrocedeu na história e ele imaginou as guerras, pragas, pestes
e fome; miríades de cenas de batalhas, assassinatos e mortes repentinas,
de vidas de pessoas desconhecidas, de amores e ódios de homens e
mulheres mortos há milhares ou dezenas de milhares de anos atrás,
sobre os quais estas mesmas estrelas haviam brilhado com a mesma
tranquilidade, esperando, imperturbáveis, o desenrolar do Grande
Plano de Deus. Pareceu-lhe
que os quadros destas coisas passavam rapidamente por sua mente como se
o mundo oscilasse em seu caminho pelo espaço, deixando girar atrás de
si, como uma densa nuvem de fumaça visível aos olhos espirituais, as
preces e lágrimas de toda a humanidade, os gritos dos feridos e dos
moribundos em todos os campos de batalha desde o começo da história,
os apelos de misericórdia, a agonia do desespero, a luta das nações,
o surgimento das raças e sua queda, o grito dos famintos - todos unidos
nesta densa nuvem preta que deve elevar-se até ao Trono de Deus. E
através dela surgia e ouvia-se aquele mesmo apelo desesperado: Por quê? Então,
ele pensou em sua pequena parte no Drama Supremo, como tinha sido
protegido e como lhe foi mostrado pouco do grande Plano, como havia sido
levantada uma ponta da obscura cortina, por um momento, para que pudesse
ter um vislumbre daquilo que estava além, de modo que soubesse como
podia ajudar. Como
havia cumprido sua missão? O que havia feito? Em sua conversa com o
soldado que lhe havia feito aquelas perguntas no local do “Y”, o que
havia conseguido? Nada! Sua
consciência atormentava-o, no entanto, como poderia ter argumentado?
Essa questão, segundo começou a compreender, era muito grande para ser
resolvida em uma explosão de entusiasmo, por mais ardente que fosse.
Devia ser a tranquila e firme obra do tempo, contínua, infatigável,
buscando todas as oportunidades, não intimidada pelo fracasso, e
satisfeita se, aqui e lá, pudesse ajudar uma pessoa, ainda que
ligeiramente. Então, talvez, depois da guerra, poderia voltar a Paris e
reencontrar o sábio Sr. Campion o “Irmão Maior”, e aprender como
se preparar para a Grande Obra. E,
à medida que seu pensamento se fixava naquele firme propósito de
“continuar” não importando o quanto a tarefa parecesse desanimadora,
a calma das grandes estrelas encheu seu coração, e voltou-se para
procurar sua cabine e, talvez, escrever algumas palavras mais em uma
carta para Louise, que ele pretendeu enviar-lhe assim que chegasse à
terra firme. Ao
fechar cuidadosamente a porta de sua cabine, antes de acender a luz que,
como oficial, tinha a permissão de usar e que estava bastante protegida
para não deixar escapar nenhuma claridade que pudesse ser vista por
submarinos inimigos, sua mente estava preenchida pela magia das estrelas,
do mar e decidida com a resolução de provar que, com o tempo, seria
digno da confiança que havia sido depositada nele. Desejava mostrar ao
Sr. Campion, se algum dia pudesse encontrá-lo novamente, que não era
um aluno totalmente indigno. Mas
não estava preparado para a emoção que experimentou ao afastar-se da
porta. Sentado serenamente em uma cadeira da cabine, como se sua presença
fosse a coisa mais natural do mundo, estava o homem em quem Jimmie
acabara de pensar: Sr. Campion. Jimmie,
dominado pela surpresa, balbuciou: “Oi... Oi...” e estendeu sua mão
para seu inesperado visitante. Por um instante, não foi capaz de pensar
em outra palavra para expressar-se, tão surpreso estava. Mas o Sr.
Campion, ao invés de estender-lhe a mão, indicou simplesmente a
Jimmie, com um sorriso, que se sentasse na beira do beliche. -
Não estou aqui em meu corpo físico, de maneira que não posso apertar
suas mãos, mas estou feliz que você possa ver-me tão claramente. Vim
para levá-lo a uma pequena excursão, se não estiver com medo de
aventurar-se, e como dispomos de pouco tempo, se quiser deitar-se em sua
cama e dormir, começaremos nossa viagem. Jimmie
poderia ter feito algumas perguntas ou expressado alguma apreensão se o
Sr. Campion não tivesse usado aquela expressão “se você não
estiver com medo”, mas depois deste desafio ele sentiu que não ficava
bem para um oficial do exército americano recuar. Então, com toda a
calma desligou a luz, deitou-se confortavelmente na cama e quase sem
sentir encontrou-se de pé olhando para seu corpo estendido na cama e
para toda cabine, tudo tão claramente visível como se estivesse
acontecendo à luz do dia. O Sr. Campion, não mais evitando contacto físico,
estava de pé ao seu lado com uma mão em seu ombro. - Esta
é a sua primeira saída consciente do corpo, e não deve
temer que não venhamos a encontrar o navio novamente ou que algo aconteça
a ele enquanto você estiver ausente. Segure minha mão e confie em mim
implicitamente, e o que quer que possa ver, não deixe o medo apossar-se
de você. Venha. Elevaram-se
directamente pela estrutura do navio, flutuaram por um momento sobre
seus mastros, contemplando-o, pois era uma linda visão vê-lo mergulhar
nas calmas e ligeiras ondas, cenário
plenamente visível à sua visão etérica. Apesar
das garantias que o Sr. Campion havia dado, Jimmie estava com medo. Lá
em baixo estava seu corpo estendido no beliche, provavelmente bastante
seguro, mas indo para um lado enquanto ele ia para outro. O tempo estava
calmo, mas não era o tempo que obrigava o navio a navegar a pleno vapor
e desprovido de luz. Suponhamos que um submarino - ele refreou-se.
Muitas vezes havia escalado o topo de algum lugar, e sempre que o fazia
sentia medo, mas ninguém que o visse saberia que o tenente Westman
estava com medo. Jimmie tinha a verdadeira coragem para cumprir seu
dever, estivesse ou não temeroso de fazê-lo, e além disso, tinha
ouvido muitos homens corajosos admitir que sentiam medo, daí não ter
vergonha de demonstrar que
estava com medo e jamais fez transparecer esse receio. Portanto, decidiu
que essa experiência não faria aflorar qualquer expressão do medo que
realmente sentia. Afastou-se do navio e olhou directamente para o rosto
de seu guia com o sorriso de quem estava disposto a enfrentar tudo que
pudesse ocorrer. CAPÍTULO
VII AJUDANDO UM SOLDADO MORTO A CONSOLAR
SUA MÃE O
Sr. Campion virou-se para ele com um sorriso: -
Vejo que não se esqueceu de como “deslizar”, assim, começaremos
nossa viagem. Começaram
imediatamente a movimentar-se com tremenda rapidez. Jimmie segurava a mão
do Sr. Campion e
percebia, à medida que avançavam, que havia um grande número de
pessoas viajando como eles pelo ar, fato que não tinha observado em sua
primeira visita à Terra dos Mortos que Vivem. Movimentavam-se em
todas as direcções alguns mais rapidamente, outros mais vagarosos,
alguns simplesmente vagando e aparentemente dormindo. Seu próprio
deslizar era tão rápido que simplesmente formulou uma nota mental do
facto, esperando, mais tarde, perguntar sobre isso ao Sr. Campion. Em
menos tempo do que o necessário para descrever isto, eles encontraram-se
na linha de batalha na França e pararam defronte a um pequeno abrigo
subterrâneo, dentro do qual vários homens conversavam. Jimmie
reconheceu um como o soldado alto que ele havia conhecido no local
“Y”. De sua conversa deduzia-se que eles iriam participar de um
ataque que aconteceria dentro de um ou dois dias. Estavam discutindo
sobre as condições “post-mortem”, se é que isso existia. Mas
estavam discutindo isto de uma maneira muito estranha... parecia que
tentavam ocultar, sob um disfarce de escárnio, uma verdadeira ânsia
por informações. Um
dizia: -
Não acredito que a morte seja o fim de tudo mas não me parece que
tenhamos uma noção exacta acerca disto. Lembro-me de um antigo hino
que escutei em um culto religioso. Não me lembro exactamente como era,
mas dizia algo assim: “Em
um momento minha alma aqui estará; No
próximo, além das estrelas se encontrará.” -
É certo que algumas vão, não será assim? -
São Pedro não seria capaz de formular uma pergunta a alguém tão rápido! -
Além disso, a pessoa estaria indo em tal velocidade que passaria
directo pelo céu e se encontraria no outro lado antes que pudesse parar. -
Estaria sem sorte, não? Mas não acredito que a pessoa que escreveu
esta canção soubesse alguma coisa. Não acredito que as pessoas se
transformem assim, quando morrem. Olhe o Johnson. Ele é tão vagaroso
que não é possível fazê-lo sair de seu ritmo e acreditam que ele
viraria um foguete se morresse? Não senhor! Jamais alcançaria uma tal
velocidade. Levaria uma semana para perceber que estava morto. Suponho
que quando um homem morre, permanece como se estivesse encantado e
depois vagarosamente segue adiante. -
Para onde? -
Não sei. Provavelmente onde tenha alguns negócios. Alguns gostariam de
ir para o céu e tocar harpa, outros não. Para mim, nunca toquei harpa
e não consigo cantar, então, acho que preferia ficar sem fazer nada e
ver como as coisas se desenrolariam. -
Talvez você não pudesse. Suponhamos que estivesse destinado para algum
lugar e um sujeito corpulento fosse atrás de você empurrando-o com um
forcado para que não parasse. -
Não, não acredito nisso. Não acredito em nenhum demónio. Ouvi alguns
ingleses contar coisas que viram à noite, quando a guerra começou e
eram completamente diferentes disso. O
soldado inquiridor, com quem Jimmie conversara, interrompeu a discussão
dizendo: -
Creio que um tenente com quem conversei algumas semanas atrás tinha a
explicação certa. Ele disse que nós tínhamos vivido antes e que
voltaríamos a viver e que, depois de morrer, continuaríamos a ser a
mesma espécie de homem que éramos antes. Naquele momento pareceu-me
tolice, mas quanto mais penso no assunto, mais acredito que ele estava
certo. Aqui,
o Sr. Campion afastou Jimmie. -
Temos tão pouco tempo - ele disse - que precisamos aproveitá-lo.
Percebeu que a semente que você plantou e que pensou estar perdida,
realmente germinou? Faz com que o homem começasse a pensar. Mais tarde
se ele entrar em contacto com os ensinamentos ocultistas, não será uma
novidade para ele e estará pronto para levá-los em consideração. Avançavam
rapidamente enquanto o Sr. Campion falava e este mal havia concluído
sua explicação quando chegaram a uma sala onde um casal idoso,
evidentemente marido e mulher, estava sentado. Já era mais de
meia-noite mas eles não pareciam ter sono. Um envelope oficial sobre a
mesa contaria a história desse momento, mas não havia necessidade
disso ao observarmos o casal. A mulher chorava dolorosamente e o homem
permanecia em silêncio, embora as lágrimas deslizassem por sua face.
De pé, a um lado, via-se um soldado em seu uniforme rasgado e sujo, com
uma série de buracos de balas em seu peito, onde uma metralhadora,
evidentemente, havia causado isso. Estremecia de dor e contraía-se
quando a mulher chorava, esticava seus braços para ela e chamava-a “mãe”,
mas ela não ouvia. O
Sr. Campion aproximou-se do soldado. -
Amigo, ele disse, e Jimmie pensou nunca ter ouvido uma voz tão bondosa.
O
soldado virou-se para ele. -
Não posso fazer com que ele me ouça. Se ela soubesse que estou vivo e
não... não... estou sofrendo! Ela acha que eu estou morto! Mas eu não
estou. Estou tão vivo quanto antes, mas não posso fazer com que ela me
ouça! -
Amigo! Novamente
aquela voz suave parecia mudar as vibrações tensas existentes naquela
sala. -
Na verdade, você não está morto, mas deixou de lado seu corpo carnal
e eu posso ajudá-lo. Ouça-me e faça exactamente o que eu disser: - Imagine-se
em um uniforme limpo, novo, sem ferimentos e sinta-se feliz. Tente
imprimir esse pensamento na mente de sua mãe. Lentamente,
enquanto Jimmie observava a cena, o uniforme rasgado e sujo ficou limpo,
os ferimentos de bala desapareceram, o rosto do homem perdeu as linhas
de dor que o marcavam. Olhou-se e deu um suspiro de surpresa. -
Agora, disse o Sr. Campion - pense
em você sempre limpo, feliz e continue dizendo a ela “Eu a amo, eu a
amo!” e depois de algum tempo, quando ela for dormir, poderá
falar-lhe, pois nessa ocasião, ela deixará o corpo por um bom tempo.
Depois, tente fazer com que ela perceba que você está vivo, bem, e que
a ama. Amor é a força maior em todo o mundo e, com o tempo, conseguirá
aliviar a dor dela. A noite, enquanto ela dorme, você poderá ficar ao
seu lado para conversar. O
soldado dirigiu-lhe um só olhar, mas este manifestava tanta gratidão e
respeito que nenhuma palavra poderia ter expressado melhor esses
sentimentos. Começou a seguir suas indicações. Jimmie
e o Sr. Campion retiraram-se para um canto enquanto o soldado, forçando
um sorriso em seus lábios, continuava repetindo a fórmula, debruçando-se
sobre a mulher, enquanto ela soluçava. Gradualmente, os soluços foram
parando e um olhar de paz surgiu em sua face. -
Henrique, - ela disse ao marido - está tudo bem com ele, estou sentindo.
Ele está vivo e bem. Novamente
o Sr. Campion pegou Jimmie pelas mãos e começaram a viajar. Desta vez,
estavam voltando para o navio. Jimmie encontrou-se exactamente sobre a
embarcação e viu
em uma pequena cabine, seu próprio corpo que dormia tranquilamente. A
lua achava-se no poente e, para a visão física, a superfície do
oceano estaria escura. Mas
aqueles que viajam pela Terra dos Mortos que Vivem não precisam de sol
durante o dia, nem são molestados pela escuridão da noite. As
leis naturais regem todo o cosmos, o que é uma outra maneira de dizer
que Deus reina em todos os lugares. Mas a acção de certas leis
naturais diferem nos diferentes mundos, e aqueles que se encontram de
repente projectados nos reinos mais elevados do ser, frequentemente
estão propensos a sentir-se muito surpresos pelas coisas que vêem e
ouvem. Jimmie
contemplou a linda visão que se estendia abaixo dele, onde o grande
navio navegava suavemente pelo oceano tranquilo, rodeado pela interminável
extensão das águas, sempre em movimento, que correm de horizonte a
horizonte, sem nenhum olho humano observando a lenta dignidade de suas
vagas à medida que se levantam como poderosos gigantes, formando um
bonito rendilhado espumoso para em seguida se desfazerem. -
Jimmie - disse seu companheiro enquanto pairavam no ar - algum
dia irei levá-lo a uma verdadeira viagem através do espaço e do
tempo, e irei mostrar-lhe a antiga Atlântica e as coisas que
aconteceram lá muito antes do início da história. Lemos contos
e romances de ficção, mas afirmo que nenhum livro pode transcrever as
coisas maravilhosas que aconteceram naquela estranha e antiga terra
sobre a qual estas ondas também passaram. Agora, vamos para sua cabine. Desceram
suavemente e entraram na cabine onde Jimmie pôde observar seu corpo que
respirava calmamente enquanto dormia. -
Que coisa incrível, não é? -
O quê? - perguntou o Sr. Campion. -
É estranho o que acontece! Lá estou eu, respirando tão regularmente
quanto um relógio, e aqui estou eu, fora dele e desligado, como você
podia dizer, mas, ao mesmo tempo, funcionando tão bem como sempre. -
Esta visão pode ajudá-lo a compreender que o corpo é só um
instrumento para ser usado por “você”, que está agora diante dele. Mais
tarde, irá entender que o “você” que está aqui é somente um
instrumento de um “você” ainda mais elevado. -
Eu me pergunto - disse Jimmie pensativamente - se eu ficaria sabendo
disto se este navio tivesse sido torpedeado e meu corpo se afogasse
enquanto eu permanecesse fora dele. -
Com certeza você saberia se isso acontecesse, mas, como eu tinha
conhecimento de que nada disso ocorreria, vim buscá-lo. Mais tarde, pretendo ensinar-lhe a deixar seu corpo quando
desejar. -
Eu não deixei meu corpo hoje à noite? -
Não, não como eu quero dizer quando menciono deixar o corpo. Todos
deixam o corpo no sono. Você deixou o seu depois de adormecer e depois
você acordou. Mas você não deixou seu corpo conscientemente. Se o tivesse feito, teria encontrado o Guardião do Umbral. -
O que é isso? - A soma do mal de suas vidas
passadas. Mas existe uma coisa a mais que
quero explicar agora, em vez do Guardião. O que você notou em
particular, sobre o soldado que estava tentando fazer com que sua mãe o
ouvisse? -
Bem... eu não sei. Deixe-me ver, ele havia sido morto por uma
metralhadora não? -
Não. Quero dizer que lição você pôde tirar daquilo? Todas as vezes
que você sai em uma viagem pela Terra dos Mortos que Vivem, não é para satisfazer seu amor pela aventura, mas
para aprender uma lição. Todas as vezes no futuro,
quando for capaz de “viajar” sozinho, deve estar realmente atento
para aprender uma lição. Mostrei-lhe o soldado inquisidor com um
propósito, e levei-o para o outro lugar, também com um propósito. Depois
disso, terá que
descobrir as lições por si mesmo, pois grande parte do bem que produzem é decorrente do
trabalho que proporcionam e do pensamento e concentração empregados
para alcançá-lo. Desta vez, para mostrar-lhe o que quero
dizer e para iniciá-lo da maneira correcta, vou ajudá-lo. -
Você precisa procurar as grandes pequenas coisas, e não as pequenas
grandes coisas. Realizou uma viagem maravilhosa, daquelas invejadas até
por reis, como as que costumávamos ler em contos de fadas ou nas histórias
das Mil e Uma Noites. Uma coisa espectacular se houvesse alguém para
contemplá-la, mas esta viagem não teve maior importância comparada a
um número de pequenas coisas que, aparentemente, você não percebeu. -
As coisas que você precisa procurar são as que enfatizam grandes
verdades, coisas que são verdadeiras para todos. A viagem, de certa
forma, foi óptima, mas foi óptima só para você. Se saísse pelo
mundo contando sua maravilhosa viagem, as pessoas não acreditariam na
sua palavra, e mesmo que acreditassem, que conseguiria com isso? Do
ponto de vista do espírito evolutivo, nada teria realizado. -
Porém, fixemo-nos em uma das pequenas coisas que você percebeu, mas
que não o impressionaram porque não estava atento a essas coisas. O
facto simples do soldado estremecer e contrair-se quando a mãe chorava,
considere esse facto e pergunte-se: Por quê? Por que ele agiu como se
alguém o tivesse atingido com um chicote? Não seria perfeitamente
natural que ela chorasse? Se ela tivesse gargalhado ou sorrido ele não
teria motivo justo para ressentir-se como se ela estivesse alegre por
ver-se livre dele? Bem, a chave está nisto: ele sabia, pelo facto de
estar mais sensível aos pensamentos dela do que quando estava no corpo
físico, que ela tinha um medo subconsciente de que a morte é o fim de
tudo e de que, uma vez morto, ela o perderia para sempre. Isto foi o
que lhe causou tanta dor. Foi por isso que ele estremeceu e contraiu-se. Ele
sentia-se vivo e sabia que estava vivo. Estava em outro plano de existência,
mas estava vivo e não morto. Se pudesse transmitir-lhe isso, apresentar-se
a ela apenas por um momento, como ser vivo, ela relaxaria a intensidade
de sua dor, a morte teria sido despojada da metade de sua repugnância,
não, mais de metade, de nove décimas partes. É essa a lição, o que
você deduz disso? Jimmie
hesitou, olhando seu corpo que dormia na cama. Não estava seguro de qual
seria a lição. Porém, o Irmão Maior não lhe deu muito tempo
para reflectir, pois ele começou novamente: -
Para descobrir em que consiste a lição, será fácil se você for metódico. Extraia da
situação as verdades permanentes, universais. Existe um filho que foi
morto, uma mãe que sabe que ele foi morto, essa mãe demonstra uma dor
perfeitamente natural, você tem (pois está capacitado a ver dos dois
lados do véu) você tem a aflição natural da mãe, a qual causa ao
filho (invisível para ela) uma enorme tristeza. Estas coisas são
universais, assim como o é a morte, pois no caso que estamos
considerando, a maneira da morte do filho não é o que importa.
Observamos, realmente, que a dor profunda e desesperada causa sofrimento
aos mortos. Também
observamos que as lamentações dos familiares e amigos causa-lhes
grande dor e
desvia-lhes a atenção das novas condições que os cercam, o que
atrasa sua evolução. Uma
vez que a intensidade peculiar destas lamentações é causada pela crença
ou temor dos vivos de que a morte é o fim de tudo, existe um sofrimento
totalmente inútil, proveniente da ignorância, que está prejudicando
tanto os mortos quanto os vivos. Está ficando mais claro? -
Sim, de certo modo. Posso ver onde a dor perturba os mortos e como os
vivos sofrem muito mais do que precisam sofrer, e tudo por causa da
ignorância. É esta a lição? -
Em parte, mas só em parte. Por outro lado, o sofrimento lá é muito maior do que no lado de cá
porque não é amortecido pela carne, por isso, o homem morto sofre
muito mais do que o necessário. Aqueles que ficam também
sofrem muito e desnecessariamente, porque não sabem que a morte não é
o fim. Mas existe um lado positivo. Além de sofrerem desnecessariamente,
não sentem a alegria que deveriam ter se conhecessem os factos reais do
acontecimento. A mãe que pranteia seu filho, se pudesse vê-lo na
insuperável bênção do mundo celeste, talvez ainda se afligisse, mas
sua aflição seria por ela, não por seu filho. A
morte é, em muitos casos, uma promoção, não uma perda; um benefício,
uma recompensa, algo pelo qual devemos ser gratos. Precisamos
livrar-nos da antiga concepção, que ainda está arraigada em muitos,
que a morte significa permanente cessar da actividade física. Mas
há uma consideração anterior a ser feita. Na morte normal, não
resultante de um acidente repentino ou de batalha, a alma revê os eventos da vida passada e é esta revisão
que forma a base real de nosso progresso na evolução. Referi-me
a isso quando conversamos longamente na Rue de la Ex. Lembra-se que
discorri sobre a memória subconsciente, uma propriedade do corpo
vital e etérico, que é impressa no corpo de desejos na morte enquanto a
alma está revendo a vida passada. Esta impressão forma a base para
a vida tanto no purgatório como também no céu. Quando a atenção
da alma que passa é desviada por lamentações daqueles que foram
deixados para trás, o registo não é impresso no corpo de desejos, e a vida
tanto do purgatório como a do céu resultam ambas falhas em seu
verdadeiro propósito e, até certo ponto e na devida proporção,
a vida
passada do homem é perdida. Vimos
como os mortos são afectados pela dor dos vivos, não a tristeza serena
da ausência, mas a demonstração emocional do desespero. Esta
é uma lição delineada para você. No
futuro, onde quer que sua vida de serviço o conduza, faça tudo que
estiver ao seu alcance para explicar estes fatos, às pessoas, de modo
que, com o tempo, esta terrível injustiça para com os mortos cesse.
Tudo que puder fazer neste sentido será louvável, pois estará
ajudando a evolução e colaborando para que o grande Dia da Libertação
fique mais próximo. -
Qual a outra lição a que se referiu? -
Mostrei-lhe uma; creio que recordará melhor a outra se a buscar sozinho. - Mas
eu não compreendo como a memória subconsciente é impressa. Disse
que ela é a base para a vida no purgatório e, que de acordo com a
intensidade da vida do purgatório, assim será a extensão de nossa
conquista sobre nosso passado? -
É exactamente isso. -
No entanto, nas mortes que observei deste lado da linha, não houve
nenhuma revisão da vida passada. O Sargento Strew, por exemplo. Quando
foi morto, ele simplesmente saiu de seu corpo e lá estava ele. Não
houve lamentação ao seu redor e ele não parou para pensar em sua vida
passada. Por que sucedeu assim? -
Porque não foi a maneira normal de morrer. A natureza planeja que após a morte haja uma revisão das
actividades e dos erros passados, e a vida no purgatório e no
céu baseia-se nessa revisão. Normalmente é esse o esquema da
evolução, mas o homem, com sua divina prerrogativa de livre-arbítrio
e escolha, muitas vezes estraga os planos da natureza, temporariamente,
lógico. Normalmente o homem não tem intenção de morrer por violência
ou por acidente. A morte nos campos de batalha ou em algum acidente que
tira repentinamente o Ego de um corpo jovem e vigoroso, não é o método
normal planejado para a raça. Isso interfere com a revisão. A morte
por queimadura, como acontece algumas vezes em uma casa ou em um
acidente de carro, pode amedrontar e excitar a alma de tal modo,
que por um longo período de tempo depois da ruptura verdadeira do cordão
prateado e depois que a revisão se tornou impossível, a alma ainda está desesperadamente reagindo ante a cena
de sua violenta separação do corpo físico. -
Para aqueles que morrem de comoção por explosão, a revisão é
geralmente impossível. No caso do Sargento Strew, ele foi separado de
seu corpo imediatamente e não teve consciência do fato, mas mesmo que
tivesse, a violência das vibrações do momento impediria essa revisão,
mesmo sem a interferência de parentes. Lembre-se que ele viu você
imediatamente, e mal havia terminado de o cumprimentar quando se excitou
ao ver os soldados mexerem em seu corpo. Contudo, mesmo que você não
estivesse lá, não teria havido nenhuma revisão, devido à morte súbita,
praticamente acidental. Também as vibrações muito dolorosas que
geralmente pairam ao longo das linhas de batalha, e outras diversas razões,
que agora não vou enumerar, contribuem para isso. Compreenda como a
morte por acidente, violência, ou em batalha é desastrosa, uma vez que
interfere no processo normal da Natureza. Contudo, a Natureza é
muito poderosa para ser contrariada. Os cursos naturais podem ser
alterados e desviados da normalidade, mas não podem ser violados a
longo prazo. A Natureza utiliza-se inclusive das anormalidades para
alcançar seus objectivos, de modo que quando se totaliza uma conta,
pode parecer que o que seria uma vida desperdiçada, não o foi de
maneira nenhuma, porque todos os seus componentes foram utilizados. Então,
no grande universo de nosso Pai, encontramos a evidência mais
maravilhosa de sabedoria por todos os lugares, sabedoria sem limite,
sabedoria cujas alturas não podemos medir e cujas profundidades não
podemos sondar. " Jimmie
estava olhando para seu amigo enquanto este falava e teve uma nova visão
de suas experiências neste maravilhoso país. Pôde ver o corpo-alma de
um Mestre enquanto envolto em adoração na Divina Sabedoria e no amor
pelo Divino Criador. Indescritivelmente
brilhante era esta linda visão. A pequena cabine resplandecia com a glória
que a enchia e com o fulgor da intensa luz projectada em variados tons,
desde o puro branco até o violeta. No centro deste maravilhoso
esplendor estava o corpo etérico do homem, tendo a cabeça inclinada
como se rezasse. Despreparado
para esta visão, Jimmie cambaleou até a parede e pouco faltou para
cair de joelhos, mas subitamente lembrou-se das palavras proferidas pelo
anjo diante de circunstâncias semelhantes: “Não faça isso.” Por
isso, não prostrou-se em adoração, mas permaneceu em reverência e
admiração à medida que a glória começou a desvanecer-se e seu
amigo, familiar novamente, olhou-o e com as mãos estendidas disse: -
Desculpe-me, amigo. Por um momento estava pensando somente no Pai e no
Seu Divino amor, Sua maravilhosa clemência para connosco e a sabedoria
com a qual Ele faz com que nossa fraqueza e nossos fracassos o sirvam. -
Agora, vou deixá-lo. Pratique
os exercícios que lhe dei. Procure as outras lições e,
ao prosseguir no caminho, que a bênção do Pai caia sobre você. Lentamente
a cabine ficou sombria e escura, o movimento do navio tomou-se perceptível.
Jimmie sentiu as beiradas da cama e a maciez das cobertas, e com sua mão
estendida tocou a solidez da parede. Estava acordado. CAPÍTULO VIII UM ESTUDO DAS AURAS Jimmie
não dormiu mais aquela noite. Permaneceu acordado, ponderando sobre as
coisas que tinham acontecido e, gradualmente, teve a convicção de que
a maior de todas as lições não lhe havia sido relatada, mas havia
sido deixada para que a descobrisse por si mesmo. Começou
a raciocinar. Por que havia sido escolhido e presenciado tantas coisas
maravilhosas? Não
foi para gratificar sua curiosidade, isto era certo. Não foi
para que, de vez em quando, pudesse consolar alguém pela perda de um
ente querido, embora este fosse, sem dúvida, um dos propósitos menores.
Qual poderia ser a grande ideia que estava incluída em tudo isso? Não
era porque ele podia curar os doentes, embora o Sr. Campion tivesse
explicado muito sobre a cura das doenças físicas ao trabalhar sobre o
corpo vital. Não era para que pudesse contar a história de suas
aventuras na Terra dos Mortos que Vivem, pois havia sido especialmente
advertido a não fazê-lo, uma vez que experiências espirituais não
admitem repetições e, além disso, foi-lhe dito que as pessoas não
acreditariam nele. Recordava
que o maior Curador que jamais existiu, até onde podia lembrar-se,
nunca se afastou de Seu caminho para curar. Havia curado muitos, é
verdade, mas somente, por assim dizer, incidentalmente, curando só
aqueles que O haviam procurado e cujos pedidos foram mais ou menos
insistentes. Sendo assim, o que deveria de fazer? Para que
grande Propósito havia sido instruído? Curar
não era a grande razão, como também não o era confortar os aflitos.
Educar sua própria personalidade como um fim em si mesmo estava fora de
cogitação - pois nisto estaria envolvido o elemento egoísmo. Devia
ser algo que ele precisava transmitir a outros - isto tornava-se claro
para ele - assim, começou a raciocinar por analogia. Suponhamos,
pensou, que fosse um homem rico, o que poderia fazer com seu dinheiro
para conseguir um bem maior? Poderia dar dinheiro aos necessitados; por
outro lado, dar dinheiro aos necessitados nem sempre é sábio. Pode
causar mais problemas que resolvê-los. Poderia
construir fábricas e dividir o lucro com os empregados. Isto seria
melhor. Assim estaria ajudando os outros a se ajudarem. Quando Cristo
esteve na terra Ele realizou muitos milagres e o Poder que pode
multiplicar alguns pães e peixes até serem suficientes para alimentar
milhares de pessoas, poderia, sem dúvida transformar pedras em ouro.
Por que então, Cristo não terminou com a pobreza dando ouro a todas as
pessoas pobres que Ele encontrou? Cristo, raciocinava Jimmie, avaliava a matéria do ponto de vista do grande Espírito
Solar que Ele era. Sabia que estas pessoas eram espíritos em
evolução, cujo progresso - desde a dor e a infelicidade dos estágios
inferiores da evolução até a grande alegria, felicidade e o esplendor
das esferas superiores - dependia somente do progresso espiritual e
nunca, de forma alguma, do acúmulo de dinheiro ou de prosperidades.
Sabia que o progresso espiritual é mais frequentemente retardado pelas
posses que, estando à disposição e sendo consideráveis, parecem a
seu dono as coisas mais preciosas que a vida tem a oferecer. Por essa
razão, Ele deu-lhes o que realmente tinha maior valor - ajuda, estímulo
e ensinamentos dentro de determinadas linhas de conduta que, se
observados, proporcionaram a única recompensa real e permanente. Em
outras palavras, Cristo ajudou Seus seguidores a se ajudarem através do
caminho da realização espiritual. Esta
vida, percebia Jimmie, tomada como um todo desde a primeira diferenciação
do espírito individual dentro do grande ser de Deus antes de começar
sua longa peregrinação, até o dia final da libertação quando o
aspirante pode pronunciar as palavras gloriosas: “Está consumado”,
assemelha a uma escola onde aprendemos nossas lições. A mesma lei rege
os dias do nosso período escolar, isto é, ninguém pode aprender
nossas lições por nós. Um mestre só pode ajudar, incentivar,
conduzir e apontar o caminho. A aquisição verdadeira do conhecimento
deve advir do trabalho realizado por nós mesmos. É
um fato real que a criança na escola pode ser forçada a estudar por
medo ao castigo; perguntas e exames podem demonstrar até onde ela se
aplicou. Mas a punição e o temor que a acompanha não levam a nada,
excepto estimular uma mentalidade indiferente ou preguiçosa. O
conhecimento adquirido deve ser o resultado do próprio esforço da
criança, independente do incentivo que a tenha motivado. Assim,
prosseguindo na analogia, progresso espiritual, para a maioria da
humanidade, é o resultado do trabalho de seu próprio espírito, uma
vez que eles ignoram totalmente que estão na escola e desconhecem a lei
do crescimento espiritual. Por essa razão, estão destituídos do
verdadeiro incentivo espiritual que os conduz ao progresso. A
educação de uma criança que estuda somente sob ameaça de punição,
é de qualidade muito pobre, insuficiente comparada àquela obtida por
quem sabe que está recebendo um treino que o ajudará a progredir no
mundo e, consequentemente, esforça-se por estudar e ajudar o professor.
Mas esta educação, embora seja superior à primeira, fica ainda num
estágio inferior comparada àquela obtida pela criança que tem uma verdadeira
sede por conhecimento e que não precisa do chicote do medo, nem do
incentivo próprio para prosseguir. O mesmo acontece com o crescimento
espiritual. No início é alimentado pelo medo - medo da morte, da
eternidade e todos os outros temores que operam na humanidade. Este
estágio de crescimento espiritual é excessivamente lento e, vida após
vida, demonstra muito pouco adiantamento. Quando o motivo é o interesse
próprio, o progresso é um pouco mais rápido. Contudo, somente quando o “Eu” é esquecido e o homem trabalha por amor é
que o progresso advém mais rapidamente. Então consegue alcançar
o estágio descrito na parábola do Filho Pródigo, o qual estando ainda
muito longe, foi avistado pelo Pai que saiu ao seu encontro. Jimmie
ponderou todos esses factos com cuidado. O grande propósito não era a
cura ou o consolo. Estes eram sub-produtos, por assim dizer. O grande propósito devia estar ligado a ajudar as
pessoas a se ajudarem. A chave do problema evidentemente estava
escondida aí. Mas,
como ajudar os outros a se ajudarem? O progresso espiritual pode obter-se
como a educação, somente pelo esforço do próprio espírito. Mas a
realização, quando feito somente sob o incentivo da lei de compensação
e quando o resultado não é incorporado ao espírito até depois da
morte, é muito lenta. A
criança na escola, mesmo que não queira aprender, pode ver e
compreender geografia e o livro de alfabetização, cujas listas de
nomes e palavras precisa decorar.
O espírito, aprendendo sob o chicote das grandes Leis Gémeas - de
Renascimento e de Consequência - não compreende e está apenas
aprendendo cegamente. Um
conhecimento das
leis de Renascimento e de Consequência
seria de grande ajuda para muitos. Mostrar-lhes-ia o que estavam fazendo
e o por que desse procedimento e, em muitos casos, aceleraria
maravilhosamente o progresso espiritual. Jimmie
sentiu que esta não era a verdadeira resposta ao seu problema, mas também
avaliou que era um começo em direcção à resposta e tinha a certeza
de que, se fizesse
o melhor para divulgar o conhecimento que havia adquirido - não
os detalhes de suas aventuras mas o grande facto de uma grande e
maravilhosa vida espiritual acompanha-nos e rodeia-nos o tempo todo, e
que ao morrermos simplesmente passamos do nosso invólucro físico para
uma gloriosa liberdade - se fizesse o máximo para divulgar este
parapeito, bem perto de onde esse homem estava. Ele não se mexeu nem
disse nada, mas permaneceu tão calmo como se fosse um veterano de vinte
anos de trabalho nas trincheiras. Mas pareceu a Jimmie, que o observava,
que ele de repente estava envolto em uma nuvem cinza, como por uma névoa.
Isto foi modificado por uma considerável cor escarlate ao redor da
cabeça, o que demonstrou que o homem estava com medo, embora
fosse o medo de um homem corajoso, pois também sentia-se desgostoso
consigo próprio por estar com medo. Mostrava também que, embora o
homem sentisse medo, mesmo assim possuía perfeito controle sobre si
mesmo e não se permitia mostrar esse temor, o que provou a Jimmie ser
ele um dos mais corajosos entre os corajosos. O
primeiro vislumbre que Jimmie teve da aura não foi muito claro. Ele
teve a impressão que seus olhos repentinamente se anuviaram por um
pouco da humidade que, acreditava, podia explicar a existência da névoa
cinza, mas a aparição do escarlate o confundiu. Por vários dias essa
visão não se apresentou a ele, mas depois, ela tomou-se cada vez mais
frequente, especialmente após compreender o que ela realmente era e
começou a prática de poder usá-la.
Mais tarde descobriu que podia olhar para os homens e determinar se
estavam com medo ou não; se estavam irados ou não, e até que grau. E
mais tarde ainda, começou a reconhecer a diferença entre a aura e o
corpo vital, o que não conseguia distinguir no início, excepto que
sabia que a aura
ficava consideravelmente fora do corpo vital em sua extensão. Durante
sua viagem, ele havia exercitado sua faculdade nascente nos membros da
tripulação e naqueles com quem, tinha a certeza, jamais se encontraria
posteriormente. No entanto, isto tinha sido insatisfatório, pois os
membros da tripulação não demonstravam muita variedade na cor de suas
auras e a cor que possuíam, era geralmente de uma variedade turva e
confusa. Mesmo quando ocorriam pequenas brigas entre eles, jamais
mostravam o puro escarlate, mas só um vermelho pardacento, sujo,
bastante mesclado com outras cores. CAPÍTULO
IX UMA EXPERIÊNCIA COM ESPÍRITOS DA NATUREZA Os
meses seguintes da vida de Jimmie foram como sonhar acordado, uma vida
muito ocupada pelas exigências de seu trabalho e matizadas por uma
curiosa sensação de que algo estava para acontecer, uma sensação de
inquietação, de espera, de pressentimento. Ele escrevia para Louise
regularmente e recebia respostas que eram aparentemente, satisfatórias
a julgar pelo número de vezes que lia e relia cada carta. Em
sua vida “de sono”, que cada vez se tomava mais distinta e real, ele
progredia rapidamente. Todas as noites soltava as amarras e
elevava-se para o grande mundo que está invisível ao nosso redor, e
todas as vezes que assim fazia ficava mais profundamente impressionado
com a exaltação maravilhosa que a “atmosfera” daquele mundo
produzia. Naturalmente,
a maioria desta impressão é impossível descrever porque não é para
ser comunicada pela linguagem, muito menos pela palavra escrita. Só me
ocorre uma maneira pela qual meu sentimento possa tomar-se descritível
para aqueles que lerem esta pequena história. Algum dia tiveram um
sonho muito real no qual passaram por uma experiência ou aventura
maravilhosa? Não se recordam, de um modo vago e muito imperfeito, da mágica
“atmosfera” daquele país das fadas que sonharam ter visitado? Não
se recordam de como, ao tentar descrever esse sonho, suas palavras eram
frias e incolores? Não se recordam de que o facto principal que os
entusiasmou sobre o sonho não foi a aventura em si, mas o fascínio
estranho, maravilhoso, excitante do acontecimento? Fascinação não é
a palavra certa mas, como disse não existe na nossa língua um termo
adequado para descrever esses momentos, muito menos a sensação
estranha, que sentimos naquele lindo país. É uma sensação que
precisa ser experimentada para ser compreendida. Não é possível
retratá-la a alguém que ainda não a tenha experimentado. Um homem
cego de nascença pode ouvir nossas palavras ao descrevermos a beleza da
cor e o esplendor do pôr-do-sol mas para ele essas palavras nada
significam. Podemos referir-nos a uma “exuberância de cores” quando
temos em mente uma exposição maravilhosa de cores da atmosfera no céu
ocidental a medida que o sol se põe. O
homem cego sabe o que “exuberância” significa e tem uma ideia académica
do que seja uma cor; mas da combinação, que está tão clara em nossa
mente, ele não tem e não pode ter nenhuma concepção. Assim,
para aqueles que não são capazes de visitar aquelas gloriosas regiões,
a descrição delas parece-lhes fria. E, o que é mais triste, os fatos
que estão fundamentados na familiaridade com essas regiões e suas leis
parecem-lhes tolices. É
apenas outra comprovação da afirmação bíblica de que “a sabedoria
de Deus é tolice para os homens”. Estamos ainda tão imergidos no egoísmo,
mesmo aqueles que mais se orgulham de seu altruísmo, que quando nos
deparamos com a verdadeira sabedoria, ficamos como o homem na parábola,
“sem palavras”. Jimmie
seguiu fielmente os
exercícios matutinos e vespertinos dados a ele pelo Irmão Maior,
pois agora podia alcançar sua filosofia e sentia cada vez mais seu
extraordinário efeito. Há
muito tempo havia parado de fumar e de comer carne. Estas suas
renúncias eram fonte de intermináveis indagações por parte de seus
companheiros, que não podiam compreender como uma pessoa sã podia
parar de comer carne excepto provavelmente, para curar o reumatismo,
enquanto parar de fumar era explicado por uma única palavra, “fanatismo”. Gostava de ir à igreja, não só
pelas fortes vibrações espirituais que estavam ali presentes, mas
também para praticar a leitura das cores nas diversas auras. O
sacerdote da igreja, à qual ele geralmente ia, julgava que seus sermões
eram a principal atracção e interpretou a assistência regular de
Jimmie como um elogio para si. Mas Jimmie sabia como todos os ocultistas
sabem, que aos
domingos as vibrações por toda a terra são diferentes e muito
melhores do que as dos outros dias da semana. Jimmie havia
visitado, em algumas de suas excursões, terras selvagens e havia
observado os diversos ritos religiosos primitivos, e sentia-se em condições
de comparar a vibração
de lá com a que prevalecia em seu próprio país aos domingos. O
grande contraste produziu-lhe a impressão de que a raça ocidental está
às vésperas de algo “diferente”. O
tempo transcorria em trabalhos, exercícios, em diversas actividades
sociais e cada vez mais em seu absorvente e interessante desenvolvimento
espiritual. O terrível desastre russo começou a circular nas notícias
diárias e cada vez mais nos pensamentos e palavras dos homens. Às
vezes, algumas dessas coisas Jimmie podia observar quando fazia excursões
durante suas horas de sono. Mas
era dificultado pelo facto de não saber ainda deixar seu corpo
conscientemente; portanto, não tinha total poder para escolher o
lugar onde suas saídas o levariam. Na verdade, se
pensava objectiva e profundamente antes de dormir, conseguia determinar
a localidade de sua visita, mas proceder assim, requeria interesse nisso
e como nas ocasiões em que visitou o país do antigo Czar, ele não
fora capaz de entender nada do que ouvira, esse interesse era mais ou
menos moderado quando comparado à saudade intensa de passar seu tempo
na linha de batalha com seus antigos companheiros, ajudando de vez em
quando um deles a passar para o outro lado, o da morte. A
pergunta que ocorrerá a muitos neste momento, uma indagação
perfeitamente natural, é esta: Por que Jimmie não usava seu poder recém
descoberto para visitar Louise, uma vez que estava realmente apaixonado
por ela e era correspondido? A
razão era dupla. Em primeiro lugar, Jimmie vinha de excelente família
e sua educação quando menino foi exemplar, por isso, teria sido impossível para ele ter usado qualquer poder
oculto para espiar sua bem-Amada. A outra razão, que funcionaria
se a primeira não estivesse presente, era a advertência que o Sr.
Campion lhe havia fortemente assinalado, isto é, que a lei oculta não permite o uso do poder oculto para nenhum motivo de
curiosidade ou de egoísmo. Quando
uma pessoa está desenvolvendo capacidade de ver nos outros planos e
poder viajar por “países estrangeiros”, precisa ter prática. Por
esse motivo, é lhe permitido tanto observar as auras e o jogo de cores
áuricas nos desconhecidos, como também viajar, examinar terras
distantes e observar pessoas e suas vidas, mas unicamente com o
objectivo de estudar e praticar. O abuso do poder espiritual acarreta um castigo
peculiar e terrível. Mas, excluindo qualquer temor de punição,
seria totalmente estranho e detestável à natureza de Jimmie tentar
espiar sua namorada. A ideia nunca lhe ocorreu, pois ele era, acima de
qualquer dúvida, um cavalheiro. A
única maneira que lhe restava para comunicar-se honradamente com ela,
era enviar-lhe um chamado aos planos superiores, mas ele havia prometido
não proceder assim, pois ela estava sempre muito ocupada e dormia a
intervalos regulares. Se
ele a chamasse, ela viria, mas o chamado poderia acontecer exactamente
no momento em que sua atenção fosse necessária para alguma operação
crítica - que
poderia, talvez, custar uma vida. Jimmie havia prometido
assim proceder e, sendo um cavalheiro, lealmente cumpria sua promessa.
Por conseguinte, seu único meio de comunicação era através do mesmo
correio do qual todos namorados americanos tinham que depender. Mas
esta regra não era aplicada em relação a Marjorie. Neste caso, ele
tinha liberdade de chamá-la quando chegava ao outro lado e, em pouco
tempo, Marjorie aparecia, dançando plena de alegria e felicidade, e os
dois empreendiam um longo “deslizar”, às vezes percorrendo a metade
do mundo. Foi
Marjorie que o apresentou aos Espíritos da Natureza, dos quais ela era
uma das principais favoritas. Assim, Jimmie conheceu
os gnomos, os duendes e até mesmo as fadas. Soube que havia
muitas outras tribos destas estranhas criaturas; algumas evitavam o
homem quanto lhes fosse possível e outras lhe eram activamente hostis. Como
regra, alguns que encontrava em seus passeios eram seres gentis e tímidos,
outros gentis sem serem tímidos. Aprendeu a gostar muito dos duendes
que sempre encontrava além do caminho nas regiões das florestas.
Adorava conversar e brincar com eles, que aprenderam a amá-lo também,
pois possuem uma natureza muito carinhosa embora não acreditem nos
homens, porque as vibrações do homem comum são muito grosseiras
e desagradáveis a um ser de natureza sensível. As
fadas
eram mais difíceis de conhecer, mas, com a ajuda de Marjorie, fez
amizade com algumas delas, que costumavam visitá-lo quando estava
sozinho nas florestas. Esta
fase de sua vida extra física foi repleta de aventuras, como um extenso
conto de fadas. Mas estou mencionando agora esses fatos com um único
intuito, demonstrar
o tremendo dínamo de energia que é a vontade humana. Jimmie
tinha poucos dias de férias, mas, de vez em quando, tinha permissão
para sair do acampamento e embrenhava-se nas florestas que podia alcançar
depois de uma curta viagem de trem. Gostava de ir para a floresta, pois
era aí que aqueles pequenos seres podiam ser encontrados, os quais
depois de descobrirem que ele era inofensivo, costumavam agrupar-se ao
seu redor todas as vezes que o encontravam sozinho, e juntos passavam
momentos alegres. Foi
numa desta excursões, quando ainda não havia penetrado muito na
floresta, que se tomou consciente de algo errado com as vibrações no
éter. Ele não ouviu ninguém chamar, mas, de alguma maneira,
pressentiu que algo grave ocorria e resolveu investigar. Não demorou
mais que alguns minutos após ter sentido a perturbação etérica, quando
viu em uma pequena folha de grama um de seus amigos duendes tentando defender-se
dos ataques de cinco seres muito repugnantes. Não
tentarei descrevê-las, limito-me a dizer que eram aparentemente semi-humanos, semi-animais.
Evidentemente não eram Espíritos da Natureza inofensivos, pois o
pequeno duende estava
em apuros. Ele não
se defendia com nenhuma arma, mas fazia movimentos em direcção
àquelas criaturas e ao fazê-los, elas encolhiam-se como se o duende as
houvesse tocado. Logo em seguida, porém, elas recuperavam-se e o
atacavam novamente e Jimmie percebeu, embora esta fosse sua primeira
experiência nesse sentido, que
estava presenciando um combate no plano etérico. Quando
Jimmie se aproximou, o duende
tentou romper o círculo, mas, sem dúvida alguma, parecia estar
realmente debilitado e três desses estranhos seres bloquearam a
passagem e fizeram-no retroceder. Não tocaram o duende nem este os
tocou, contudo, de alguma maneira, existia um contacto muito real, e
Jimmie podia perceber, pelos movimentos de seu pequenino amigo, que este
estava muito aflito e em grande desvantagem. Não houve a mínima hesitação no
agir de Jimmie. Jamais havia visto uma luta nesse plano de vida, mas
testemunhou que existia tal fato como uma disputa de forças entre
grupos diferentes. Evidentemente,
isso era o que estava presenciando agora e intuía porque o pequenino
duende estava levando a pior. No outro plano, uma luta é uma luta,
não de golpes ou do que corresponderia à força física, mas da
vontade. Também não é inteiramente da
vontade. Por exemplo, um
certo número de espíritos, com tendências malignas pode
estar atormentando alguém, mas quando um dos “Mestres” aparece e
coloca um fim à contenda, não o faz pela força física nem por um
exercício supremo de uma vontade mais forte, mesmo que, naturalmente,
possua essa vontade mais forte. Seu
poder para deter a crueldade é
o resultado de uma vontade mais forte combinada à sua posição mais
elevada na escala dos seres, o que lhe confere uma aura cujas vibrações
são tão fortes, que um ser, cujas vibrações não sejam tão boas ou
positivamente más, não consegue suportar o elevado grau vibratório da
presença do “Mestre”. Este é um exemplo extremo,
naturalmente, mas funciona em todos os planos da natureza onde as vibrações
mais elevadas podem ser sentidas, e actuariam com pleno poder no plano físico
não fosse o facto
das vibrações superiores aqui estarem tão embaçadas pela carne que
perdem sua força e só podem actuar lentamente. Isto nos faz
recordar o verso de um hino que diz: “Onde tu estás presente, o mal não
consegue estar”. Esta afirmação é verdadeira em todos os casos onde
o bem é colocado em contacto com o mal, decorrendo o efeito de acordo
com o grau de diferença entre as intensidades do bem e do mal. Os duendes são uma raça
delicada, agradável, pequenina, mas são Espíritos da Natureza, e,
embora inocentes e sensíveis em alto grau, sua inocência não é o
resultado de uma luta positiva e demorada contra a tentação mas
assemelha-se mais à inocência da infância, portanto, não é uma
fonte de poder. Em muitos aspectos são incrivelmente semelhantes às
crianças, com seus afectos, gostos, aversões e com uma grande
incapacidade de defesa contra a agressão. Assim,
este pequeno duende, que estava lutando tão bravamente e em terríveis
condições, não possuía a força que seria sua, se ele fosse o
produto de uma longa evolução adquirida através de sofrimento e de
educação no plano físico. Assemelhava-se
a uma criança pequenina e desamparada, lutando brava mas inutilmente
contra um bando de lobos que só estavam contidos porque o consideravam
mais forte do que realmente era. Eis
a situação quando Jimmie surgiu em cena. Uma exclamação aguda
irrompeu dele, e em poucos passos, colocou-se ao lado do duende e
enfrentou os terríveis elementais que o estavam atacando. Jimmie
simplesmente olhou para eles, estendeu o braço e disse “Vão embora”
e usou sua imaginação e vontade para arrebatá-los e
desintegrá-los. Olharam-no horrivelmente de soslaio,
vociferaram e rugiram, mas a vontade humana, resultado de longa evolução,
era demasiado forte para eles e simplesmente sumiram de vista, como um
quadro que se tira de cena. O
duende tinha caído em um monte quando Jimmie interveio na luta, mas
o poder de recuperação no plano etérico é rápido, e os
elementais mal haviam desaparecido quando ele se levantou de um salto,
jogou-se nos braços de Jimmie e colou-se a ele soluçando incoerente e
prolongadamente como uma criança. Como sua altura era de apenas uns
dezoito centímetros, não é de se estranhar que Jimmie experimentasse
a mesma sensação de alguém que tivesse salvo uma criança de um cão
feroz. Esta
foi a primeira vez que um duende o tocou, pois são muito tímidos. Mas
agora que sua amizade tinha sido provada, este duende em particular,
apegou-se a ele, acariciando seu rosto, seu cabelo enquanto dizia
continuamente: -
Jimmie, meu amigo; Jimmie, meu amigo. Andaram
juntos, por alguns minutos e, uma vez que o duende não pensava nada por
ser uma entidade etérica, Jimmie simplesmente o segurava como seguraria
uma criança, tentava confortá-lo com todo o carinho, ajudando-o a
recuperar-se de seu susto. Estavam
assim quando uma multidão desses seres minúsculos surgiu dançando da
floresta mais densa e ficou a observá-los. CAPÍTULO
X UMA CRISE DE AMOR Quando
um grupo de duendes, à medida que surgiam da floresta, contemplou essa
visão sem precedentes e se deparou com Jimmie carregando seu pequenino
amigo duende em seus braços, demonstraram todos uma grande excitação. Tão
natural e exactamente como agiriam os seres humanos, eles chegaram à
conclusão de que, pelo menos, um duende tomara-se um traidor de sua
gente e de seus familiares. Rodearam Jimmie, permanecendo em uma certa
distância e começaram
a chamar por seu pequeno companheiro em sua própria língua,
que Jimmie reconheceu ser uma espécie de língua universal, mas, mesmo
assim, não podia inteirar-se do que eles diziam. Porém,
seu pequeno amigo compreendeu e demonstrou inconfundível indício de
tristeza. Finalmente, quando as acusações se tornaram ásperas demais
para suportá-las, ele pulou dos braços de Jimmie e correu directamente
para o duende que parecia ser o chefe do grupo. Então, começou a
explicar o ocorrido. Jimmie pôde segui-lo perfeitamente, embora ele
falasse mais rápido do que qualquer francês que já ouvira falar. Os
poderes de gesticulação da criaturinha eram maravilhosos. Representada
diante dele e acompanhada pela apresentação verbal mais rápida que
jamais ouvira, Jimmie se deu conta de toda aquela aventura. O pequenino duende daria um incomparável actor se
pudesse ser atraído para um palco e possuísse um corpo material. A
surpresa com os horríveis elementais; a busca desesperada por onde
escapar; a grande luta e o terrível desgaste que rapidamente abria
caminho para a certeza da morte; as contorções e os gestos agressivos
do círculo hostil ao seu redor; o desespero que se apoderou dele quando
cada tentativa para escapar era impedida; depois o grande alívio quando,
repentinamente, este grande gigante humano, com essa incrível força de
vontade humana colocou-se ao seu lado e tomou sua defesa nessa luta
desigual. “Vejam”, gritou o duende finalmente, “está
tudo bem. Ele é meu amigo. Vejam.” Neste
momento, seu entusiasmo apoderou-se dele e, com um salto enorme, pulou
exactamente no ombro de Jimmie e começou a saltar de um ombro para o
outro dando, de vez em quando, um tapinha amoroso na cabeça de Jimmie
cada vez que saltava por cima dela. Por ele ser uma entidade etérica,
isso não provocou nenhum incómodo a Jimmie e era evidente que o grupo
de duendes divertia-se imensamente com isso. Aproximaram-se
um pouco mais e Jimmie estava
consciente da mudança de atitude de todos eles pelos olhares amistosos
que lhe dirigiam, pelo sorriso constante com o qual o
cumprimentavam e pelo bom humor com que falavam com seu activo amiguinho. Geralmente
as vibrações
da raça humana são
ofensivas para esses pequenos seres pelo fato que a maior parte dos
humanos, devido à sua linha habitual de pensar e agir, acumula em seus
corpos etéricos grande quantidade de matéria etérica totalmente
indesejável. Em
grande parte, isto também é aplicável a seus corpos de desejos e como
os duendes estão no limite entre os dois reinos, são muito afectados
adversamente por essa razão. Jimmie
não sabia exactamente como proceder e, por isso, fez o que lhe pareceu
ser o mais natural possível, sentou-se
em um tronco e esticou suas pernas. Um dos duendes mais corajosos,
após várias simulações, correu e pulou sobre seus pés tocando um
deles levemente com seu próprio pé. Descobrindo que mesmo assim, ele não
se machucava, pulou novamente, desta vez aterrando no pé de Jimmie e
imediatamente pulando de volta. Entretanto,
muitos deles haviam subido ao alcance de seus braços e estavam falando
sobre ele nas suas vozinhas estranhas e agudas, enquanto ele sentia
muitos toques em suas costas e pequenos beliscões em seu cinto e camisa.
Isso era perfeitamente possível mesmo que esses pequeninos seres não
estivessem no plano físico. Esta incongruência aparente só ocorreu a
Jimmie algum tempo depois, pois quando vemos que uma coisa realmente
existe, aceitamos o facto sem questionar, jamais parando para considerar
que, de acordo com todas as teorias e razões, o facto deveria ser
apenas uma fantasia. -
Diga-me, Buster - Jimmie disse para o pequeno duende que ele havia salvo
dos elementais - Qual é o problema com seus amigos? Parece que estão
com medo de mim. Diga-lhes que não os machucarei. -
Oh, eles são bobos! Estão com medo. Você não vai machucá-los. Você
é um amigo. Começou
uma arenga apaixonada em sua própria linguagem e o resultado foi que três
duendes vieram e sentaram-se nas botas de couro de Jimmie, enquanto
alguns outros aproximaram-se até onde seus braços podiam alcançar,
mas percebia-se que estavam prontos para saltar a qualquer momento. Jimmie
sentou-se imóvel, não mexia um só músculo, excepto para falar com
Buster, cujo verdadeiro nome ele perguntou em vão, pois a pequena
criatura parecia estar orgulhosa do nome que carinhosamente Jimmie lhe
dera e a todas as perguntas contestava que Buster era seu nome e que não
tinha outro. Aos
poucos a conversa e as garantias de Buster surtiram efeito e o resto dos
duendes começou a perder o medo desse ser humano que salvara seu
companheiro de um destino tão horrível. Aproximaram-se
e demonstraram mais interesse na conversa e Jimmie aproveitou para
perguntar a Buster o que teria acontecido a ele se os elementais
tivessem ganho a luta. Não tinha a certeza se a morte era possível
para um ser que não possuísse corpo físico. Mas o grande alívio e
gratidão que Buster havia demonstrado, tomou
claro que um resultado adverso do combate teria sido, pelo menos,
altamente desagradável para o duende. Mas
Buster não queria pensar no que poderia ter acontecido. Aparentemente não
gostava de usar sua imaginação. Como uma criança que só deseja
brincar, tomava-se impaciente com qualquer tentativa de fazê-lo pensar
seriamente e só se interessava pela diversão na qual estivesse
engajado no momento. A irresponsabilidade parecia ser a nota-chave de
seu carácter e a concentração sobre qualquer coisa, a não ser que
estivesse interessado, era-lhe aborrecida. Jimmie finalmente desistiu de
tentar e decidiu tornar-se amigo do resto do grupo. Nisto
foi muito bem sucedido, pois os duendes, de imediato, perderam o medo
dele e colocaram-se ao alcance de seus braços sem observá-lo, pois não
receavam mais qualquer movimento hostil. -
Buster - disse Jimmie ao final - diga-me por que seu povo tinha medo de
mim. Que mal poderia fazer-lhes? -
Olhe - respondeu Buster - sua
força de vontade é muito vigorosa. Essa é a razão. Eles não
o conheciam como eu o conheço. Só
depois de muitas perguntas foi possível entender a razão da timidez
dos duendes, e Buster, com a ajuda de outros que tomaram parte na
conversa, finalmente esclareceu Jimmie sobre a causa da má vontade de
seu povo em relação à associação com mortais. Parece
que não só as
vibrações humanas são geralmente muito desagradáveis aos duendes,
mas também a
força de vontade humana é tão vigorosa que quando é inteligentemente
direccionada, frequentemente são incapazes de resistir a ela.
Isso os torna temerosos da proximidade dos homens, pois alguns seres
humanos são dotados de uma ligeira clarividência e, algumas vezes, os
clarividentes não são os membros mais avançados da raça. Assim, um
mortal de grau inferior, com um pouco de poder clarividente, pode tornar-se
muito desagradável para os duendes. Também
foi informado que o
contacto com um ser humano lhes dá, de certa forma
misteriosa, um
acréscimo de poder de se tornarem desagradáveis, se esse mortal assim o desejar. Por essas
explicações, Jimmie pôde compreender por que os duendes ficaram tão
horrorizados ao verem Buster em seus braços e a amizade que reinava
entre os dois. Desde
então, toda a reserva foi posta de lado e o grupo imenso de duendes
divertia-se pelo conhecimento adquirido sobre o homem. Subiam nele,
sentavam-se em sua cabeça, pulavam em seus pés e foi com considerável
dificuldade que Jimmie conseguiu parar um e fazer-lhe algumas perguntas.
Era como se sua inteligência os fizesse semelhantes às crianças -
eram capazes de falar e de compreender uma linguagem simples, mas
totalmente incapazes de qualquer esforço mental como acontece com uma
criança de seis ou sete anos. Mas também como as crianças, seu amor e
confiança, uma vez dados, eram sem reservas. Jimmie
passou uma tarde muito agradável com seus amiguinhos até que a
aproximação de alguns colhedores de frutos da floresta alarmou-os e
eles fugiram depois de lhe fazerem prometer outra visita. Havia chegado
à conclusão de que para obter maiores e reais informações sobre os
duendes, deveria buscar outra fonte além deles. Era
a primeira vez que entrava em contacto com os Espíritos da Natureza ou
elementais. Resolveu averiguar mais sobre eles, uma vez que era
evidente que ao encontrá-los vislumbrou outras das mansões da Casa de
nosso Pai, que está tão plena de maravilhas. Quando
os duendes sumiram, regressou à sua casa caminhando lentamente e
repassou em sua mente as coisas que escreveria em sua próxima carta a
Louise e pensando um pouco, também, como ficaria feliz quando ela
voltasse novamente para casa por a guerra ter terminado e a paz
finalmente declarada. Ele teria que trabalhar muito para compensar o
tempo perdido e ganhar o dinheiro para adquirir a casinha que tanto
queria. E também a Grande Obra não deveria ser esquecida, pois
precisava planificar, de alguma maneira, a forma de alcançar o maior número
possível de pessoas que estão tão ávidas por uma migalha de
conhecimento espiritual, e que, frequentemente, são alimentadas com
pedregulhos em lugar de migalhas. Afinal, o mundo era um bom
lugar para viver, sobretudo para quem quiser trabalhar, e
começou a sentir a sensação de alegria, que é a recompensa de todo
trabalhador zeloso, pela qual se pode imaginar a bênção que há-de
ser a parte dos grandes Irmãos da Luz que empregam sua energia no serviço
pela humanidade, renunciando ao descanso e à própria paz no céu para
servir. Enquanto
retomava, recapitulou tudo como em uma espécie de sonho, tão fascinado
estava pelas esperanças e planos que havia feito e pelos castelos no ar
que havia construído. E, através de tudo isso, corria aquela perigosa
veia de vaidade que, com tanta frequência, se insinua juntamente com
outras e mais grosseiras formas do mal e que deveríamos esforçar-nos
por lançar fora. Ainda não tinha consciência que era vaidade, mas, se
tivesse parado para analisar, perceberia que todos os seus sonhos
estavam firmados naquilo que ele faria, no serviço que ele
executaria, e que aí faltava aquela grande qualidade do trabalhador
devotado, isto é, um agradecimento
ao Mestre por ter-lhe dado a oportunidade
de servir. É
a diferença subtil entre a alegria louvável do serviço e o orgulho
injustificável do serviço que, com frequência, faz nossos depósitos
na tesouraria celestial serem de humilde prata ao invés de régio ouro. Mas
Jimmie não tinha consciência deste sinistro contexto que corria através
da urdidura de seus sonhos. Apoiava-se na felicidade que esperava
possuir e também na possibilidade de poder voltar para a França antes
do “espectáculo” terminar, pois cobiçava uma das medalhas de mérito
e estava decidido a obter urna ainda que tivesse de capturar, sozinho,
todo um exército alemão. Neste momento, não podia deixar de sorrir
para si mesmo, pois sua imaginação apresentava-lhe quadros onde
conduzia à sua frente toda uma companhia de “Fritzies”, e com esse
sorriso, voltou para a terra novamente. Foi
um Jimmie feliz e entusiasmado que regressou ao quartel naquela noite,
cantando uma canção que havia sido uma das favoritas nas trincheiras
e, literalmente, estava borbulhando de esperança e irresponsabilidade.
E lá estava, sobre sua mesa, uma carta da França, de Louise. Pegou-a
rapidamente e sentiu uma pequena inquietação por ela ser tão leve,
mas esta impressão foi semiconsciente quando rasgou o envelope em sua
ânsia de saber o que a carta continha. Seu
rosto transformou-se ao ler as primeiras linhas e a carta pendeu de suas
mãos. Não disse nada, mas apoiou-se na parede. Depois de alguns
minutos apanhou a carta do chão e leu-a outra vez. Era cruelmente curta. “Prezado
Sr. Westman”, dizia, “estou prestes a voltar para casa no próximo
navio e escrevo-lhe para que não mais envie cartas para a França.
Pensando melhor estou convencida que nosso compromisso não foi o
resultado de um conhecimento suficientemente longo, assim, deixo-o livre
e penso que seria melhor deixar o caso terminar aqui. Espero
não receber mais cartas suas e tenho a certeza que respeitará meus
desejos e que irá esquecer que eu, algum dia, entrei em sua vida. Com
os melhores votos por sua felicidade futura, etc.” Jimmie
sentiu-se atordoado. As outras cartas que recebera de Louise eram
geralmente curtas, pois sabia que ela trabalhava muito e desculpava-se
por isso, mas, naquelas cartas curtas, quase notas, ela jamais havia
escrito uma palavra de arrependimento pelo compromisso que tinham
assumido. Motivos de toda espécie passaram por sua mente, mas eram
rejeitados por serem indignos dele ou de Louise. Talvez
houvesse encontrado alguém a quem amasse mais. Essa era uma
possibilidade, admitiu para si mesmo, mas não explicava o tom lacónico
e a rispidez da carta. Talvez tivesse - Oh! Não
podia acreditar que ela realmente tivesse escrito o que transmitiu. No
entanto, se não escreveu o que realmente passava por sua mente, por que
escreveu? Não
era obrigada a escrever. Não havia uma só lei que a forçasse a
escrever. Com certeza não podia estar zangada com ele, pois sabia que
ele tinha sido obrigado a obedecer ordens e que deixara a França contra
sua vontade. Estavam em tempo de guerra, ordens eram ordens e Louise
sabia disso tanto quanto ele, pois ela estivera próxima à frente de
batalha onde homens morriam todos os dias devido a estas mesmas “ordens”. Quanto
mais pensava no assunto, mais percebia o quanto seu amor por Louise era
um sentimento muito profundo e muito forte. Recordava-se bem, da maneira
gentil e bondosa com que ela sempre o tratara; as pequenas coisas que
fizera por ele quando se encontrava desamparado; como ela permanecera
acordada, embora necessitasse tanto desse sono, para ler-lhe algo quando
o nervoso pelo choque da convulsão o atormentava. Certa vez quando
estava deitado, sem muita dor, mas quase gritando devido ao horror
daquele nervosismo dilacerante, ela sentara-se ao seu lado colocando a mão
em sua testa, acalmando-o com pequenos versos de poesia, trechos de
hinos, tudo que pudesse recordar para aliviar seu estado de tensão,
tirar seus pensamentos daquela situação estranha e peculiar que era o
resultado da explosão que sofrera e cujos efeitos são sempre
diferentes em cada caso. Agora,
depois de estar curado - tolice! com carta ou não, ele não acreditaria
no que estava escrito naquele papel até que ela confirmasse com suas próprias
palavras. Iria encontrá-la para ouvir a verdade de seus próprios lábios. Era
característica de Jimmie que em todas as desculpas, motivos e explicações
que havia forjado em sua mente, jamais suspeitou que Louise o abandonara
por razões financeiras. Era o melhor e mais nobre tributo que podia
colocar aos pés de sua amada e analisando todos os motivos imagináveis
que justificassem sua atitude começou a temer que, de alguma forma,
involuntariamente, ele a houvesse ofendido. No entanto, nenhuma vez
pensou em um motivo baixo, vil ou mercenário por parte dela. Se ela
soubesse disso, seu coração ter-se-ia enternecido, mas Jimmie estava tão
inconsciente do assunto quanto ela; acrescentar um motivo indigno à sua
carta jamais lhe ocorreu. Conhecia
a cidadezinha onde ela morava. Calculou que, por causa da lentidão do
serviço postal na França, ela provavelmente já teria regressado e
estaria em casa antes da chegada da carta. O pensamento agitou-o, e
decidiu pedir uma licença de uma semana e ir até ao fim para
solucionar esse caso. Mas
não foi fácil conseguir uma licença em tempo de guerra. Sabia que
necessitava pelo menos de um dia para chegar até a casa de Louise,
outro dia pra voltar e mais um dia para lá permanecer. Se as conexões
estivessem ruins, poderia até levar mais tempo, portanto, decidiu pedir
uma semana. Aquela
noite, ao dormir, resolveu chamar Marjorie e, efetivamente, ao despertar
nas agora já familiares condições do Mundo do Desejo, teve consciência
plena de que Marjorie vinha ao seu encontro. Portanto, não ficou
surpreso quando essa linda jovem, sorrindo e, evidentemente, com um
excelente bom humor, apresentou-se a ele. Jimmie
começou logo a contar-lhe a história de sua aflição na esperança de
Marjorie sensibilizar-se com ele e se prontificar a ajudá-lo. Mas
calculou mal, pois tudo que sua anfitriã fez foi rir-se dele. Se as
pessoas que julgam que o outro mundo seja um lugar de tristeza fúnebre,
de desespero e desesperança, como ficariam surpresos ao presenciar
aquela cena e como perderiam o temor da morte. Marjorie
estava morta. Esta jovem havia sido arrebatada de sua família por
aquele implacável Rei dos Terrores e, de acordo com todas as crenças
geralmente aceitas, ela podia ser tudo menos o que realmente era - feliz,
alegre com a pura alegria de viver feliz devido às condições nas
quais vivia, livre de todas as necessidades limitadoras da vida física,
dor, exaustão, as dez mil pequenas coisas que jamais se elevam além do
umbral da consciência, mas que agregadas equivalem a um desconforto
contínuo. Mas, acima de tudo, feliz pois não estava separada de sua família, ainda
que eles estivessem separados dela. Esta
condição, aparentemente anómala, derivava do facto de que todas as
noites ela podia encontrá-los no plano do desejo, falar com eles e “visitá-los”,
e embora eles não pudessem conservar a memória desses encontros, para
ela não existia essa limitação. Assim percebia-se
verdadeiramente que toda separação estava do lado deles, não do dela.
Por esse motivo, não há por que surpreender-se e reconhecer sua
felicidade. Por que não haveria de sentir-se feliz? Mas
Jimmie pensou que ela estava feliz demais, pois ele sentia-se muito
infeliz ou julgava-se estar assim, e precisava de consolo. Além disso,
embora não admitisse, esperava que Marjorie dissesse alguma coisa sobre
Louise e por que havia agido daquela maneira. Pressentia que Marjorie
devia saber. Não seria correcto perguntar, mas, talvez, ela proferisse,
espontaneamente, algumas palavras de consolo. Esses pensamentos de
Jimmie não passaram desapercebidos a Marjorie por nenhum momento, e era
por isso que ela estava rindo. Jimmie havia chegado à conclusão que
era muito importante e esta era uma lição que ele deveria aprender
sobre o assunto. CAPÍTULO XI LUZ NOVAMENTE Jimmie estava procurando compaixão. Sentia realmente que não tinha sido
bem tratado e havia chamado Marjorie com a ideia confusa de que talvez
ela pudesse explicar-lhe por que Louise tinha agido daquela maneira tão
extraordinária. Nos reinos superiores, o conhecimento nem sempre é
adquirido da mesma maneira que o obtemos no mundo físico, mas uma alma avançada pode, com frequência, conhecer coisas simplesmente
fixando sua atenção nelas. Jimmie
estava bem consciente desse fato, mas estava duplamente impedido de usá-lo.
Em primeiro lugar, não
estava ainda adiantado o suficiente para obter informações por este
meio. E depois, neste caso particular, não teria sido
correcto tentar saber a causa de Louise ter procedido daquela forma, a não
ser, fazendo-o pessoalmente. Mas
restava uma pequena possibilidade de que Marjorie soubesse algo sobre o
assunto e poderia dar-lhe algumas indicações; também esperava que ela
tivesse pena dele e, sendo assim, o animasse, mesmo que não lhe desse
nenhuma informação real. Mas
Marjorie, embora tivesse acudido ao seu chamado de ajuda, não tinha
vindo pelo que ele esperava. Ele sabia que Marjorie podia sentir, pelas
vibrações que o rodeavam, que ele estava possuído por uma grande
tristeza e imaginava que ela estaria propensa a ter pena dele,
interessada e pronta para oferecer-lhe ajuda, de maneira que ficou um
pouco chocado por vê-la tão cheia de vida, de felicidade com uma pura
alegria de viver. Aparentemente, a compaixão estava naquele momento
muito longe do pensamento de Marjorie. -
Oh, Jimmie, estou tão feliz por ter-me chamado. Imaginava quando você
poderia vir. Tenho tantas coisas para lhe contar; as coisas mais lindas
com as quais você jamais sonhou. Jimmie
olhou para ela, contemplativamente, mas permaneceu em silêncio. -
Fui promovida, Jimmie, não é ótimo? Agora posso trabalhar mais e ser
mais útil. Deram-me
uma pequena classe para ensinar algumas criancinhas que acabaram de
falecer e elas são tão encantadoras! Estavam muito amedrontadas
e assustadas, mas procuro mostrar-lhes que não há nada a temer e que só
estão rodeadas de amor.
É tão confortante e lindo vê-las deixar suas conchas de terror e
desabrochar como fazem as pequenas flores quando o sol brilha sobre elas.
Sinto-me tão feliz que não consigo ficar quieta. Que
lição proveitosa teria sido para alguns sofredores da vida terrena se
pudessem ver aquela jovem radiante testemunhando a felicidade daquele
plano em que estava vivendo.
Estava também transfigurada com a alegria do reino para o qual
conduziria aquelas criancinhas que haviam sido arrebatadas de seus
corpos pelas frágeis condições no plano físico. Se
os parentes dessas crianças pudessem vê-las, dedicariam sua tristeza e
compaixão não para as que “morreram”, mas para aquelas que ficaram enfrentando as contínuas lutas
e as duras experiências da terra. Jimmie
tentou parecer alegre e conseguiu felicitá-la pelo trabalho importante
que lhe havia sido designado; mas o pensamento dominante não abandonava
sua mente tão facilmente e ele exclamou: -
Estou com problemas, Marjorie. No
mesmo instante o rosto de Marjorie tornou-se grave enquanto Jimmie
continuou: -
Você tem visto Louise ultimamente? -
Não, Jimmie, não tenho. Ando tão ocupada e, como é de seu
conhecimento não vou ao plano terreno.
A única vez que vejo alguns dos meus amigos da terra é quando vêm
aqui durante seus sonos, e isto não é frequente. Tenho certeza
que não há nada muito sério perturbando-o. Como sabe, você e Louise
estão no plano da terra e pode vê-la quando quiser. Foi uma sorte que
essa pergunta tenha sido dirigida a mim e vou esquecê-la completamente.
Se você tivesse
feito essa pergunta ao Irmão Maior por mera curiosidade, o que ele
teria pensado! O
rosto de Marjorie desanuviara-se. Ela estava rindo novamente, mas sua
observação causou um grande choque nele. -
Marjorie, tenho inveja daquelas criancinhas. Algum dia, se puder, quero
vir até aqui para assistir uma dessas aulas. Agora vou voltar e seguir
seu conselho, pois você me ajudou mais do que pode imaginar, talvez
muito mais do que eu esperava. Você é uma verdadeira e querida amiga,
Marjorie. De volta a seu corpo físico, Jimmie
meditou sobre as palavras dela e percebeu, cada vez mais, como se havia
deixado levar por seu egoísmo. “Curiosidade!” Uma “questão de
mera curiosidade”, certamente isso. Havia
feito precisamente o que já sabia não deveria fazer. E ela não o
repreendera nem encontrara falta nele, simplesmente o havia guiado de
forma gentil e bondosa, a reconhecer o seu erro. Decidiu
que jamais voltaria a cometer semelhante falta e nunca mais esqueceria o
lema “Serviço”. * * * -
Mamã! Eu posso ver! Oh, mamã, mamã! Eu posso ver! -
Pode? Oh, querida, tem certeza? Não esforce seus olhos. Lembre-se do
que o médico recomendou. É melhor eu colocar a venda novamente. -
Não, não. Não suporto mais essa horrível venda. Eu posso ver. Vi
aquele pinheiro solitário lá no cume, tão bem como sempre o vi. Não
coloque a venda de novo. Vou manter meus olhos fechados e o resultado
será o mesmo. Prometo. De verdade, eu prometo. E vou sair para um
pequeno passeio sozinha. Prometo que não vou esforçar meus olhos. Vou
mantê-los quase cerrados. -
Que menina obstinada! Não vá sair e pôr tudo a perder agora. É
melhor deixar que eu ponha as vendas de volta e procure descansar um
pouco. -
Lembre-se que sou uma enfermeira, mamã, e que conheço bastante sobre
isso. Não vou forçar meus olhos nem um pouco, mas preciso sair para
uma pequena caminhada, senão acho que vou morrer. Por favor, mamã!
Conheço o caminho de olhos vendados, por isso é suficiente olhar só
um pouco. - Aonde você quer ir? -
Só até ao velho pinheiro lá no cume e depois eu volto. Sei o caminho
no escuro e acredito que se eu for até lá sozinha e tocar a velha árvore,
isso me porá boa novamente. -
Está bem, mas não demore, senão eu irei buscá-la, e não tente abrir
os olhos. Eles ainda estão muito fracos. O
sol incidia directamente sobre a pequena casa de campo onde esta
conversa se desenrolava, saturando aquela bonita terra de colinas suaves
com sua glória de verão, salpicando o terreno entre as árvores com
vibrantes reflexos dourados e marcando com pronunciado relevo as casas
das cidades ao longe e as ondulações da floresta próxima; realçava
ainda, em sua grandeza ímpar, a grande árvore que erguia sua copa
muito acima de suas companheiras em uma ligeira elevação algumas
centenas de metros atrás da casa. Era
em direcção a esta árvore que uma jovem se dirigia, saindo pela porta
traseira da casa e portando sobre sua cabeça um antiquado chapéu de
sol que, efectivamente protegia seu rosto da luz brilhante que a rodeava.
Andava devagar como se não estivesse muito segura do caminho e estendia,
parcialmente, uma das mãos para a frente, como fazem aqueles que andam
no escuro. Havia
um caminho próprio que levava à grande árvore, pois era o atalho em
direcção ao povoado. Era sempre muito usado por aqueles que preferiam
andar no frescor da mata em vez de ir pela estrada, um pouco mais longa. A
jovem caminhava como se o atalho lhe fosse familiar. Sem dúvida ela o
conhecia bem, pois tinha nascido e crescido naquela casinha, onde sua mãe,
agora, se entregava à tarefa de lavar os pratos enquanto dirigia
ansiosos olhares para a figura que se afastava. Não
havia perigo para a viajante temerária, ela sabia, porque ali, no
grande Estado de Nova York, não havia exércitos invasores, nem
artilharia ou bombas assassinas. Nenhum perigo ameaçava aquela graciosa
figura no caminho, nem homem nem animal, mas mesmo assim a mãe aparecia
muitas vezes à porta para acompanhar carinhosamente com o olhar, aquele
velho chapéu que avançava com tranquilidade até a grande árvore
plantada no cume do morro. Não, não havia nenhum perigo, pois a guerra
estava longe desta terra pacífica. Agora
o chapéu de sol estava perto da árvore e logo iria retomar. Mas, pare!
A mãe tirou seus óculos e limpou-os em seu avental. Alguém mais
andava pelo caminho. Alguém usando um uniforme e parecendo um soldado.
Evidentemente não podia ser um. Às vezes, soldados passavam pelo
pequeno povoado, mas não com frequência e todos os rapazes de lá
tinham ido para a guerra, Estranhos nunca andavam por esse caminho. Bem!
O soldado havia parado a portadora do chapéu de sol e estava
conversando com ela, sem dúvida indagando-lhe sobre o caminho. Quanto
tempo despendido para perguntar o caminho! Filha, Filha! Qual é o
problema? Há coisas melhores a fazer do que parar e conversar com um
soldado estranho! O soldado envolvia a jovem em seus braços e abraçava-a!
Oh! isto é terrível! A
mãe saiu apressadamente pela porta traseira e começou a percorrer o
caminho. Sua aflição não durou muito pois Louise vinha retomando
serenamente com um oficial alto que a conduzia pelo braço e que se
dirigia a ela chamando-a “Louise” e com uma familiaridade como se a
conhecesse há muito tempo. Nessa
tarde, quando todos se sentaram na varanda, as coisas se esclareceram.
Jimmie informara-se onde ficava a casa e de início pensou em ir a
cavalo pela estrada, mas depois alguma coisa o fez mudar de ideia e
seguiu a pé pelo atalho. -
Interessante, estava para seguir pelo caminho mais longo, pela estrada, quando
um amiguinho meu, que conheço pelo nome de “Buster”, chamou-me da
floresta e indicou-me o caminho certo. -
Buster, Buster - disse Louise pensativamente - Não me lembro de nenhum
menino pelos arredores que tenha esse nome. -
Não. Esta é uma outra história que contarei algum dia, mas Buster achava que me devia um favor e assim
pagou sua dívida perfeitamente. Louise também tinha sua história para contar. Tinha sido enviada para um
posto próximo ao “front” onde havia sido instalado um hospital
provisório e onde enfermeiras e cirurgiões viam-se obrigados a
trabalhar além de seus limites. Uma noite, um avião inimigo lançou
muitas bombas sobre esse local e uma delas explodiu perto de Louise,
quando ela tentava socorrer alguns feridos sob sua responsabilidade. Um
clarão ruidoso, um violento choque na cabeça e não teve conhecimento
de mais nada até que acordou em um hospital em Paris com os olhos
vendados e sua visão quase perdida. Seu primeiro pensamento foi para Jimmie, e tomou a decisão de que jamais
iria sobrecarregá-lo com uma esposa cega e desfigurada, daí a carta
que, no desespero de seu coração, havia escrito apesar de todas as
proibições e que uma outra enfermeira colocara no correio. A
desfiguração havia cedido por um tratamento eficiente, mas a visão
foi-se tornando cada vez pior e ela foi enviada de volta para casa - uma
pequena e desolada peça destroçada pelo naufrágio causado pela guerra
que se abateu sobre aquela terra pacífica. Mas
nos últimos dois dias, fora capaz de vislumbrar uma pequena luz e
naquela manhã tendo retirado a venda cuidadosamente, descobriu que,
apesar de embaraçada e distorcida, sua visão estava voltando. -
Oh! Deus é bom para mim, Jimmie. Ele devolveu a minha visão e Ele deu-me
algo mais valioso do que isso. -
O quê? -
Até onde você gostaria de saber? * * * Muito
bem! Esta não é uma história de amor, mas uma história da Terra dos
Mortos que Vivem. E, como elas podem ser separadas? Pois todo o amor é
de Deus, cujo nome é Amor e, para aqueles que fazem Sua vontade, não há
nada em todo o universo nem neste mundo ou no outro, que não seja Amor.
Existe sacrifício e serviço mas esses são somente as evidências do
Amor que foram postas em acção. Na Terra dos Mortos que Vivem também
há Amor, e nenhum relato desta Terra pode ser verdadeiro se não falar
do Amor que lateja e pulsa por todos os seus formosos mundos. Até
mesmo naqueles reinos obscuros, sobre os quais não falei,
existe uma luz sutil que se filtra sempre. E a dor que ali é sentida, não é nada mais do que a preparação para o Amor
que um dia encherá todo o universo, quando o conhecimento de Deus
cobrir a Terra como as águas cobrem o mar. FIM [1]
Expressão idiomática norte-americana que quer dizer: realmente é
verdade. [2]
Um dos Irmãos Maiores da Ordem Rosacruz fundada por Christian Rosenkreus. [3] Y = Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de Rapazes).
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Telemóvel: 917.694.805 |
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